#poesiadesexta

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eu colocava minha mão no teu cabelo na tua nuca
nua
como quem percorre uma maratona ao contrário
onde a meta é se demorar
até o sol cair baixinho no horizonte

tu colocava tua mão na minha
nesse carinho-caminho manso
como quem acha espaço pra respirar no meio do caos
e sabe
que no silêncio a gente fala mais alto

como quem faz morada na pele do outro  
porque o gostar tem gosto e cheiro e transpassa os poros todos até preencher o espaço entre nós
(a campainha do toque é o arrepio)

a água do mar batia na ponta da península criando um arco íris instantâneo quando o vento e o sol se encontram. me dei conta de que as melhores coisas da vida são livres. são leves ao mesmo tempo em que são fortes. tudo que vale a pena é despido de pose e de posse. de regras inventadas pra nos acorrentar dentro da nossa cabeça. a nossa prisão a gente mesmo faz - é importante lembrar que podemos sair a qualquer momento. se tiramos as grades aprendemos a ir e vir
sem culpa e sem medo
e rindo do que aparece no caminho.

que a gente siga sendo forte
sem nunca perder a leveza.

me perdi no teu olhar castanho
no teu sotaque saindo de mansinho como quem brinca com as palavras
no jeito que é fácil ser qualquer coisa do teu lado
nesse querer gostar sem pressa mas também exagerado quando me pego te procurando no meio do resto
quando percebo que te achei no meio do resto do mundo
me perdi mas também me achei no sol batendo esquentando a pele até chegar no fundo do peito
nesses dias de fim de verão
onde o tamanho do mar faz tudo parecer pequeno e a gente se sente também infinito
quando nada precisa ser dito porque tudo é sentido
e o tempo passa como um sonho desses que a gente acorda sorrindo e demora a abrir o olho porque não quer que acabe

essa coisa de entregar pequenos pedaços da gente

de se deixar doar

sem precisar doer

essa coisa de sentir bonito e sem pressa

como quem brinca de ser criança de novo admirando tudo ao redor porque tem tanta coisa pra se viver

como quem brinda cada oportunidade de estar junto porque o tempo é curto ao mesmo tempo em que é infinito

porque tudo acaba a cada segundo e começa de novo no seguinte

e é no meio disso que a gente se encontra e se despede repetidamente dos pedaços que fizeram parte do que fomos

pra dar espaço a quem somos agora

é curioso pensar que eu sou feita de relações desde o princípio e a forma como elas se desenvolveram afeta completamente quem eu me tornei depois. e mesmo mudando constantemente quando eu paro pra pensar - lá estão elas. as pessoas que encontrei no caminho. com todas suas histórias e desesperos e amores e medos e sotaques e brilho nos olhos e toque de mãos e diferentes tipos de abraço. porque elas também fazem parte de quem eu sou. lá estão as causas dos meus tremores ou lágrimas ou risos descontrolados nesse corpo que involuntariamente se afeta por tudo ao redor porque isso é ser humano. mas a humanidade também cansa. então às vezes eu fujo e me escondo porque é a única coisa da qual sou capaz. porque é sufocante perceber que por todos os lados existem pessoas que me veem como alguém diferente do que eu sou. e é nesse espaço de silêncio e paz comigo mesma que eu me encontro - não o que esperam, nem o que pensaram, nem o que fizeram de mim - mas todas as versões que eu já fui e as que ainda posso ser. porque no fim das contas eu não sou nada além de um punhado de possibilidades.

eu posso te listar minhas manias e te contar do jeito que o meu olho muda de cor quando eu to cansada e como eu gosto da cor que fica quando o sol bate no meu cabelo. que eu me acho mais bonita de manhã cedinho e minha forma de demonstrar amor é sendo útil. que eu gostaria de ler mais livros e to aprendendo italiano e minha angústia com o mundo geralmente acontece antes de dormir. e as piadas que eu faço são um lembrete pra não levar tudo tão a sério porque no fim das contas nada fica. tudo é mudança e exige coragem. eu posso te contar que mesmo sem saber tocar nenhum instrumento a música ocupa um lugar muito grande em mim porque tem o poder de transformar qualquer momento ordinário em algo infinito. e mesmo gostando de ter razão sobre as coisas eu acho graça em ver contradição em tudo que existe. em estar vivo por acaso nesse tempo-espaço num dia qualquer de fevereiro. em acordar com a luz entrando pela fresta da janela e pensar que eu poderia te contar tudo isso numa conversa casual enquanto sinto tua respiração no meu pescoço. mas você não entenderia. porque eu acho importante aceitar as coisas como elas são. mas eu sempre gostei mais de quem tem coragem pra mudá-las de alguma forma.

eu pensava alto e ria alto e encontrava arte nas pessoas porque são os pedaços quebrados que nos tornam únicos
e abraçava todo mundo e queria ter potencial pra amar o mundo todo
amar sem possuir porque é bonito demais ver gente sendo livre
e enquanto eu cantava minha liberdade eu pensava como a vida é esse eterno fim de festa e o que nos resta é dançar até que as luzes se apaguem

escrever pra me esquecer de vez em quando
escrever pra me encontrar tumultuando tudo aqui dentro outra vez
escrever porque não é escolha (nunca foi)
pra falar o que a voz não consegue
pra não ter medo da morte
porque as palavras não tem fim

eu te rio fácil e te gosto fácil enquanto você me beija embaixo da chuva enquanto toca alguma música e a minha língua embriagada dança com a tua de par. eu me jogo fácil porque de difícil já basta o resto e te quero lento enquanto você me atravessa e fala no meu ouvido que a vida não passa de uma festa com hora pra acabar

é engraçado perceber que a gente espera tanto pra crescer e ser adulto pra chegar aqui e descobrir que no fundo no fundo somos só crianças grandes que ainda precisam de colo

choveu de manhã cedinho e depois abriu um dia lindo. o mais lindo que vivi nos últimos tempos. fez lembrar que a vida é imprevisto. é início de ano e as coisas afloram de um jeito diferente – mais limpo, mais leve e também mais urgente. uma urgência de sentido. o mar tava calmo e dava pra ver as ondas se formando num balanço infinito que nem criança ninando. eu nadava enquanto reparava na beleza das coisas – essas coisas que o mundo nos entrega de graça. acho que o segredo é aprender a amar nas miudezas. tudo me leva pra longe do que a gente aprende a querer. uma urgência de sentir. depois de tanta turbulência eu quero amar calmo: o mundo e a mim. mas pra chegar num amar do tamanho do mundo é preciso começar do meu tamanho. de dentro pra fora é que a gente muda as coisas.

coisas que não quero perder.
o cheiro do café passado cedinho de manhã. a brisa fresca que vem do mar. quando a pele de alguém que você gosta encosta na sua. demorar lendo um livro. dizer eu te amo. ouvir o que as crianças tem a dizer. conhecer lugares novos sempre que possível. aprender com todas as pessoas. conversar sem ter hora pra ir embora. rir quando as coisas não saírem de acordo com o plano porque essa é a graça da coisa. enxergar com mais calma. cuidar da saúde. procurar solução pro que está acontecendo no mundo. ficar no tédio. não desistir da gente.
coisas que realmente importam.


as luzes acesas enquanto a gente se beijava
quando a vontade venceu a timidez
você tinha gosto de cerveja
e cheiro de ano novo
como uma promessa que a gente faz
porque acredita que pode ser melhor

no fim da rua no fim do dia depois do suor e do cansaço e dos calos nas mãos só nos resta acreditar que existe algo melhor.

acho que crescer faz isso. deixa a gente maduro e também um pouco mais duro com o resto do mundo, enquanto nos ensina a ver magia nas pequenas coisas.

eu não sei explicar o que a gente é.
parece coisa de alma que se conhece de outras vidas porque só de lembrar que você existe eu sei que o mundo ainda é um lugar bom. você é meu lugar bom. e eu não falo isso de um jeito romântico mesmo você tendo sido o amor da minha vida até agora e mesmo sem saber se vou encontrar alguém que me faça sentir um amor tão intenso e ao mesmo tempo tão limpo e claro como você fez. é mais o tipo de coisa platônica em que meu coração fica quentinho só de ouvir o tom da sua voz porque não existe outra voz assim no mundo. porque é tanto tanto amor que chega a escorrer pelas beiradas do meu peito e se espalha pelos poros e átomos e memórias. e por ser tanto eu acho que não coube em nenhum tipo de relação que escolhemos porque no fundo sempre foi algo mais. sempre vai ser algo mais.

era bom compartilhar todas as coisas
como num pacto de infância
como se roubássemos tempo do resto do mundo

e ninguém pudesse nos alcançar

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