#arteindependente

LIVE

Em noites como essa, a mente nunca é confiável. O calor na janela e um baita peso nas costas. A razão vai dançar no telhado do prédio, flertando com o abismo, rindo diante a possível queda.

Brincando entre saudades e o se-eu-tivesse-dito-isso, se-eu-tivesse-feito-aquilo entalados na garganta feito pedaços de comida que descem no lugar errado, mas não engasga e nem mata. A garganta arranha nas possibilidades largadas no caminho.

A confiança senta-se no parapeito da janela, sem medo de estar no quinto andar. Dançando ao som de Isaac Hayes e mexendo a cintura, animada. Disfarçando o medo com inconsequência, sentindo a noite adentrar os poros.

Estou nua em meu quarto, fumando mais um cigarro tentando não me afogar em mais uma dessas noites, a solidão de um sábado, enquanto a mente dança com o diabo.

Insegura de meus adjetivos, eu apenas consigo listar meus defeitos. Confesso que sinto saudades de afetos óbvios demais.

O óbvio me falta.

A consciência se acovarda e se esconde embaixo da cama, enquanto no final da garrafa de vinho, eu esboço um sorriso que de forma alguma é fruto do meu mérito. A razão urra no telhado, de olhos fechados, enquanto se equilibra bem na borda: apenas para sentir alguma coisa.

O que a gente não faz para se sentir vivo? A gente é capaz de morrer por isso.

Noites como essa e os gatos arruaceiros estão revirando as latas de lixo e mãos estão sendo dadas em algum lugar dessa cidade, um orgasmo explode e beijos se desenrolam, enquanto línguas se abraçam.

A solidão come solta. A solidão me devora viva. Mas a confiança finge costume: agora, sem ninguém aqui, tudo fica mais fácil. É fácil ter coragem, quando ela não é necessária. Esses nós na garganta me fazem tossir enquanto a pele quase pinica por um toque quente e um olhar que possa arrebatar certos devaneios inúteis, expurgar certos demônios.

A confiança se abraça, com frio. Do quinto andar, qualquer queda parece um vôo raso. Uma mente transtornada jamais pode vencer a gravidade, mas a razão se perde tentando rodopiar no telhado, querendo tocar o céu, atingir algum paraíso particular. Estender os braços para cima e, pela ilusão de ótica, alcançar as estrelas.

Certas vezes o mundo não precisa fazer nada, sozinho a gente consegue se machucar. E a consciência, amuada, se retrai embaixo da cama, pedindo uma trégua nesta festa rumo a insanidade.

Ah, mas tudo que eu não disse e deixei de fazer, aquilo que me escapou… Eu me perdi nas entrelinhas. O óbvio me falta, mas a masturbação reflexiva que não leva a nada jamais me escapa, eu questiono tudo que eu sou apenas para ser mártir de porra nenhuma.

A mente trabalha e trabalha, minha mente se revira feito um saco na água quente. Meu corpo é gelado, os abraços estão em falta. Tudo vai quarando na madrugada, mergulhando em mim, quase morro afogada.

loading