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Eu não sei se eu quero isso pra mim, entende? Eu sei, eu dormi por muito tempo, sonâmbula pelos espaços, sonhando acordada, me esforçando para manter os olhos fechados, eu sei, eu tô devagar. Eu queria ser mais que isso, eu queria ser melhor, eu queria ser minha própria versão idealizada, eu queria ser o que eu sou no quem dera. 

Quem dera se eu fosse outro corpo, outro rosto, outra mentalidade, mais maturidade. Quem dera se eu tivesse a força, a gana, a garra, quem dera se eu tivesse mais agilidade, que minhas costas não doessem, que minha visão não me falhasse. 

Isso não é pra mim, eu me afogo nos milhares de “e se…”. Meu pulmão se enche dessa água suja e tudo me arde, tudo me dói. Minha pele se arrepia em meio minhas piras de me imaginar em outra vida. Se eu fosse mais esforçada, sabe? Se eu fosse mais gente, mais viva…

Mais acordada. 

Eu dormi por muito tempo, mas ainda estou sonolenta, meus olhos semicerrados não aguentam essa luz toda, queria viver no escuro do meu quarto na caverna daqueles que já desistiram e deus me perdoe dizer, mas até disso eu sinto falta. 

O vazio faz falta, porque querer é perigoso. 

Eu morro de medo de palavras como esperança. 

Eu quero ser outra coisa, quero me derreter em um líquido abstrato e tomar nova forma, nascer de novo numa noite qualquer e ter outra cabeça, eu quero que meus neurônios se reorganizem até que eu tenha orgulho de mim. Até que outras pessoas tenham orgulho de mim, até que essa nhaca de fracasso saísse do meu corpo num banho quente. 

E se eu fosse gente? Eu vou me afundando nos “e se…” como quem afunda em areia movediça, como quem se debate só pra afundar mais. Como quem reza por outra carne, outros órgãos, outra vida. Isso não é pra mim, essa perfeição toda. E se fosse? E se eu alcançasse, e se eu chegasse lá? E se eu caminhasse para chegar lá? É preciso mover as pernas, é preciso se movimentar, e se eu fosse inspiradora, talentosa, e se eu causasse um sorriso só com um olhar? 

Quem dera eu pegasse nas mãos essas vontades que pairam por minha cabeça como nuvem carregada, que apenas ameaça chover e nada de água. Eu quero arrancar com as mãos, sentir na pele, tocar as ideias abstratas. Quem dera ser outra, quem dera ser melhor, quem dera um novo cérebro, uma personalidade mais potente. Quem dera sentir nos dedos, quem dera se entrasse na pele. 

Eu fico refém da linguagem, esperando que as palavras façam tudo por mim, as palavras engavetadas, que mofam nos armários, os livros inacabados e os poemas jamais cantados. Querendo que as palavras me guiem até esse paraíso por mim sonhado em noites insones. Esperando que as palavras me salvem de qualquer inferno particular que eu mesma construí. 

De tanto “quem dera” nada se deu. 

Nada cedeu

porque eu também não cedi. 

De tanta esperança engavetada, mofada, estragada no fundo da geladeira, eu apenas esperei virar outra. A minha versão ideal lá do mundo das ideias de Platão, eu queria arrancá-la de lá, fundir-me a ela. Ser outra. A escritora do mundo ideal, a mulher do mundo ideal, preenchida de vontade e orgulho do que é. Sequestrar essa eu do mundo ideal, colocar ela em meu lugar.

Eu me apeguei no “e se…” como um pedaço de madeira de um navio naufragado, como minha esperança de não me afundar, de não sumir, de não ser engolida pelas águas violentas que correm em minha própria cabeça. 

Na linguagem eu me aninhei, busquei abrigo, comida e água, busquei segurança. A linguagem, me ajudou até certo ponto, mas daqui em diante, meu bem…

“agora você se vira”

Eu assombrei os espaços, tropecei nas vontades, vomitei desejos que não caíram bem em meu estômago. Eu assombrei os espaços quando eu não me fiz ser enxergada. Me apeguei a cada palavra, quis que as frases tecessem uma corda até o mundo real, até o olimpo onde os vivos estão. 

Eu quis que minhas palavras falassem por mim, que alcançassem outras mãos, ouvidos e olhares, que me levasse até outros corpos, outras mentes. Depois eu entendi que eu deveria guiar as palavras, não o contrário. 

Sonâmbula pelos dias, eu as guiei pro lado errado. 

Querendo ser outra, caí num mar torpe de desejos não realizados, vontades afogadas. Querendo ser outra eu quis sair de minha pele, rasgar a carne no meio, e correr em espírito por aí, ser imaterial, evaporar no ar, se desintegrar em bilhões de partículas. Querendo ser outra eu boiei em mar aberto, sem nenhuma terra à vista. 

No desespero da sede, eu bebi a água salgada deste mar. No meu “quem dera” do tamanho do pacífico, confundi melhorar com me odiar. Mas isso não é pra mim, essa roupa desconfortável da autopiedade, esse tecido duro e áspero de pura inércia. Essas horas que correm por minha pele com suas garras afiadas, e eu só consigo boiar, inerte em ondas calmas, quarando no Sol a pino, sentindo a pele ressecar, queimar, esperando ser resgatada.

Quem dera eu fosse mais pró ativa. 

Quem dera eu abstrair essas coisas, quem dera a porra do pensamento positivo, quem dera eu olhar pro espelho e gostar do que vejo, quem dera minha mente colaborasse mais comigo. 

Meu bem, é tão mais fácil falar. 

E se eu fosse gente, e se eu fosse gente que faz e acontece. Eu vejo as pessoas apenas fazendo e eu quero isso, eu juro que eu quero, eu só não consigo. 

No fundo do mar jazem esperanças naufragadas, esqueletos de desejos não realizados. No fundo deste mar são esquecidas as milhões de possibilidades, perdidas para sempre minhas mil e uma vontades, entre ser alguma coisa e não ser absolutamente nada, acabo sendo todo dia, por mim mesma, afogada.

Olhando de fora, nada faz sentido mais
empunhando um olhar decidido no espelho,
penso em meus constantes pesadelos
que se esvaem quando abro meus olhos.
No despertar cheio de alívio, acompanhado da luz da manhã
eu me pego, serena, por um breve segundo
depois, tudo me pega de volta
as gigantes ondas se quebram sobre mim.
Nada mais faz sentido, mas minha lógica luta para se manter de pé
pessoas se ajoelham em suas rezas privadas
cada uma para o deus que lhe convir
cada uma carrega um olhar desconfiado
toda conversa tem morrido pela boca
toda conexão é quebrada antes mesmo de existir.
Nada mais faz sentido, mas a mente se esforça
em minha dificuldade de ser gente, sou cativeira de mim
em minha dificuldade de alcançar o outro, me silencio pelos dias
tudo faz falta, nada sacia.
Na beira da estrada, jaz um quê de esperança
atropelada novamente, por meus gestos estabanados
Nada mais faz sentido,
mas a lógica se pega acuada, a lógica queima no Sol a pino
minha pele se resseca, meus dedos tremem
cada um reza do jeito que dá, do jeito que pode
melhor se juntar as mãos, melhor se dobrar os joelhos
melhor ainda se tiver fé, melhor se se castigar.
Olhando de fora, eu até quero estar dentro
olhando de fora, um pouco de ignorância não cairia mal
eu fico acordada por noites, tentando parir qualquer coisa
de paz de espírito
meus olhos inquietos, passeiam pelo quarto
minhas mãos não se aguentam sozinhas
eu fico acordada por noites em um mal sucedido parto
fingindo que reconheço a mim mesma
eu esqueço como cheguei até aqui.
Olhando de fora, sentindo o sangue correr nas veias
sentindo minha mente correr para longe
correndo das responsabilidades, minhas pernas doem
parada no tempo, e as horas correm
meu eu derradeiro, se arrasta com os dias
eu ouso tomar tento, mas tudo me desce mal:
um enjoo crônico no estômago
desses pesadelos que tomam vida no meu quarto,
das rezas sem fé à deuses de bronze,
da fé que deveria ser em mim, pra variar,
dos sussurros inaudíveis de sonos perturbados
pesco, a mim mesma, em um mar inquieto;
caçadora de mim, coloco-me armadilhas.
Olhando de fora, eu caio em um paradoxo:
deus me livre, mas quem me dera eu me encontrar.

Eu estava na minha melhor fase, o que não queria dizer muita coisa quando se comparava com o resto, mas ainda sim, era alguma coisa. Bom, eu já conseguia me suportar, eu gostava de mim, na maior parte do tempo e se odiar já não estava em nenhum lugar dos sentimentos que eu tinha por mim mesma.

Fazer o mínimo por mim era uma grande coisa.

Eu que nunca me coloquei em qualquer lugar perto das prioridades. A gente faz o que pode e o que não pode, ignora e finge que nunca foi necessário. Eu estava na minha melhor fase quando deixei de precisar da opinião de terceiros apenas para ter um lampejo de amor por mim.

Amor próprio… tive que ir atrás do meu em algum lugar escondido nos infernos da minha mente. Algum purgatório escondido no terceiro plano em baixo da massa cinzenta, no lóbulo frontal, em um poço do sistema límbico, enterrado à sete palmos em um pântano esquecido por algum deus. Faz sentido dizer que eu o enterrei lá, na casa do caralho, na merda do meu cérebro. Eu entrei na minha melhor fase quando consegui sorrir pro espelho.

Parece tão pouco, quando se coloca assim, na palma da mão, quando se tenta racionalizar, quando se esquece do passado doloroso. Parece pouco mesmo, se afastar de tudo apenas para se aproximar de si. Bom, eu já olhei meu ossos como grades de uma prisão orgânica, e a mente como um carcereiro que não dorme nunca, eu me afastei de tudo apenas para olhar para mim por mais de alguns segundos sem sentir raiva.

Fazer o mínimo já é grande. O resto é o olhar dos outros que não importa, na realidade.

O olhar que dura alguns segundos e apenas enxerga a carne e esquece da fusão nuclear de sentimentos correndo por baixo da pele e explodindo em trilhões de partículas no cérebro, contaminando tudo. A imagem, no final da contas, importa. Viver sobre esses preceitos nos quebra, meu amor próprio foi atropelado, em uma rodovia, jogado no meio fio, quando eu não olhei para o que realmente importava.

Mas eu estou em minha melhor fase, meus ossos estão fortes. O que quer dizer muita coisa quando se compara com o resto, quando se olha para as lembranças, o passado serve de comparativo, mas eu não sou apenas meus machucados, nem meus traumas. Me sento na cama pela manhã, tomada por uma boa sensação, ainda que eu não sinta essa alegria o tempo todo, eu aproveito, toda vez que ela vem. Na minha melhor fase, eu cato os bons momentos como pedras preciosas jogadas na merda, dinheiro achado na sarjeta.

Em minha melhor fase, pensei em cuidar de mim, como um bebê que chega agora neste mundo, eu ainda não sei de tudo, minha visão é turva, meus sentidos aos poucos se aprimoram, eu seguro em minha própria mão para que eu não caia, em meus primeiros passos, meus futuros passos. Fazer o mínimo é gigante.

O corpo muda
o estômago não ronca e o apetite evapora
nas longas horas sem comer
o corpo emagrece
a barriga diminui, as coxas ficam finas
as maçãs do rosto se atenuam
o corpo muda
o cabelo cai e a unha quebra
as articulações doem
olheiras profundas, a pele oleosa
o olho vermelho das noites sem dormir
o corpo muda
as espinhas nascem
o vão entre as coxas, aumenta
a barriga diminui ainda mais
um, dois, três números a menos
uma mente doente, quem diria?
o corpo até parece daquelas modelos
o corpo sem estrias, sem celulite
sem vitaminas, sem vida
o corpo muda
o cabelo fica ralo
e as unhas na carne porque não conseguem crescer
as unhas na carne, e a pele oleosa
nem meio litro de água por dia
mais perto da morte que da vida
aparência é tudo.
cheio de elogios, o corpo ainda segue
usando 40, mesmo desenvolvendo anemia
isso nem é um caso de anorexia
um corpo doente, mas magro
e a depressão come solta
pelo menos alguém está comendo
aqui embaixo ninguém está vivendo
um corpo que passa os dias na cama
e a coluna começa a sentir um desconforto
o estômago não ronca
e a barriga agora está lisa
pelo menos alguém elogia
o corpo sem estrias
mais morta do que viva
a pele pede socorro
e os cabelos quebram na frente da escova
as frutas apodrecem na fruteira
a comida se empilha na geladeira
um pulmão que só recebe fumaça de cigarro
e o estômago que se abraça desolado
o coração chega a ter taquicardia
o corpo muda
e vai definhando pelos dias
sem coragem de ir na terapia
e a mente, no crânio, se atrofia
quem se importa com saúde mental
quando é o peso que se elogia?
o corpo muda
murcha com o passar das horas
a flor podre encolhida na cama
mais um número a menos
“como você tá linda”
“vão entre as coxas e cadê essa barriga?
“me conta seu segredo, amiga?”
as costas doem, as articulações pedem socorro
pelo menos alguém consegue pedir ajuda
agora o corpo na casa do 38
e a pele que mal lembra como é
sentir a luz do dia
vitamina D, serotonina
o corpo muda
agora, só existe
a pele pálida, e as olheiras profundas
três horas de sono
não vão te fazer maravilhas
o desleixo é quase palpável
quem consegue tomar um banho
quando apenas se quer morrer?
os dentes amarelados
e o cabelo oleoso, amarrado em um coque
por incontáveis dias
o corpo muda
agora só quer ajuda
a mente não aguenta mais
“segurem-se todos, nós vamos afundar”
e mais uma crise na semana
o cérebro já falha em fazer conexões químicas
a depressão dança ao lado da ansiedade
e o espelho no quarto reflete apenas a visão da morte
o estômago recebe comidas gordurosas:
massas, queijos, doces…
nada que vá saciar por muito tempo
a decepção dos órgãos é evidente
um corpo magro, mas a mente doente
o corpo muda,
as cicatrizes que o diga.

você não encontra um culpado, sabe?
é só… como as coisas se tornam. elas são complexas. são vários fatores embolados, que rolam pela história e desengata nessa merda toda.
existem os culpados de sempre, mas no fim:
eles são tão abstratos, não é? quem são eles?
quem são os vilões? e nós sequer somos mocinhos?
não.
mas eu posso te dizer isso, talvez sejamos vítimas.
e não há nenhum conforto nisso apenas a certeza dolorosa do que se esvai por entre nossos dedos.
nós somos corpos com hemorragia interna, descoberta tarde demais
a gente não sente até não conseguir sequer respirar.
daí você quer avisar as pessoas que elas estão sangrando por dentro
mas elas irão ignorar até que a primeira vertigem lhes acometa
e você vai poder culpá-las? ora, toda hemorragia interna é um conceito abstrato…
até não ser mais.
algo se perde na linguagem, na comunicação, não há união, mas desesperos individualizados.
a verdade é que eu cansei de encontrar o culpado. eu só quero cauterizar a porra da ferida.
alguma coisa precisa mudar, talvez seja mais micro do que qualquer coisa.
talvez a dor seja bem aqui dentro, talvez a inércia contribua um pouco…
é só que… porra, estamos tão cansados.
estou falando de um pequeno abcesso no fundo da garganta, do dente inflamado
a infecção não tratada que só cresce e se espalha
estou falando de negligência
porra, eu estou falando de gente morrendo!
estou falando de um sistema todo se quebrando: de uma falência múltipla dos órgãos.
estou falando desse abcesso enorme na boca do estômago, dessa carne podre.
estou falando de radicalismo.
e a gente já passou do momento de ter medo dessa palavra.
da insurgência, da desobediência… eu não quero ter medo de um caos organizado.
estou falando de arrancar pela raiz, cortar o membro gangrenado.
é isso ou o sangue continua a jorrar.
essa merda toda não é de hoje, é só que agora a infecção desceu da garganta, pela laringe, chegou no estômago, pulmões e fígado. aí, meu bem, aí já era.
a verdade é que estamos na porra da uti e algum carniceiro filho da puta quer desligar os aparelhos, vender nossos órgãos, furar a fila do transplante.
a metáfora ainda persiste, mas não se engane, gente morrer transborda dela.
a metáfora é só um jeito melhor de dizer que estamos fodidos,
um jeito mais bonito, mais palatável.
é só para gente não esquecer que tumores também crescem em silêncio.
bom, parece que o cirurgião chefe desse hospital esqueceu um bisturi em nosso estômago.
agora é tentar não morrer.
agora é lutar por justiça.
justiça…
justiça é um conceito abstrato demais pra gente entender. e só uma forma de dizer que tínhamos que ter o que é nosso por direito. que é nossa obrigação ter!
que é nossa obrigação viver bem.
que essa chaga não deveria continuar crescendo.
que nossas vidas estão em risco, e tem gente por um fio.
talvez aqui as metáforas acabem. um poema não pode seguir por muito tempo.
nem tudo é poesia, isso aqui é só desgraça mesmo.
cortes na aposentadoria não é poesia;
gente preta e favelada morrendo não é poesia;
universidades fechadas não é poesia;
desistir de lutar contra o trabalho escravo não é poesia;
feminicídio não é poesia;
a sangria não para. é interno, mas mata.

Em noites como essa, a mente nunca é confiável. O calor na janela e um baita peso nas costas. A razão vai dançar no telhado do prédio, flertando com o abismo, rindo diante a possível queda.

Brincando entre saudades e o se-eu-tivesse-dito-isso, se-eu-tivesse-feito-aquilo entalados na garganta feito pedaços de comida que descem no lugar errado, mas não engasga e nem mata. A garganta arranha nas possibilidades largadas no caminho.

A confiança senta-se no parapeito da janela, sem medo de estar no quinto andar. Dançando ao som de Isaac Hayes e mexendo a cintura, animada. Disfarçando o medo com inconsequência, sentindo a noite adentrar os poros.

Estou nua em meu quarto, fumando mais um cigarro tentando não me afogar em mais uma dessas noites, a solidão de um sábado, enquanto a mente dança com o diabo.

Insegura de meus adjetivos, eu apenas consigo listar meus defeitos. Confesso que sinto saudades de afetos óbvios demais.

O óbvio me falta.

A consciência se acovarda e se esconde embaixo da cama, enquanto no final da garrafa de vinho, eu esboço um sorriso que de forma alguma é fruto do meu mérito. A razão urra no telhado, de olhos fechados, enquanto se equilibra bem na borda: apenas para sentir alguma coisa.

O que a gente não faz para se sentir vivo? A gente é capaz de morrer por isso.

Noites como essa e os gatos arruaceiros estão revirando as latas de lixo e mãos estão sendo dadas em algum lugar dessa cidade, um orgasmo explode e beijos se desenrolam, enquanto línguas se abraçam.

A solidão come solta. A solidão me devora viva. Mas a confiança finge costume: agora, sem ninguém aqui, tudo fica mais fácil. É fácil ter coragem, quando ela não é necessária. Esses nós na garganta me fazem tossir enquanto a pele quase pinica por um toque quente e um olhar que possa arrebatar certos devaneios inúteis, expurgar certos demônios.

A confiança se abraça, com frio. Do quinto andar, qualquer queda parece um vôo raso. Uma mente transtornada jamais pode vencer a gravidade, mas a razão se perde tentando rodopiar no telhado, querendo tocar o céu, atingir algum paraíso particular. Estender os braços para cima e, pela ilusão de ótica, alcançar as estrelas.

Certas vezes o mundo não precisa fazer nada, sozinho a gente consegue se machucar. E a consciência, amuada, se retrai embaixo da cama, pedindo uma trégua nesta festa rumo a insanidade.

Ah, mas tudo que eu não disse e deixei de fazer, aquilo que me escapou… Eu me perdi nas entrelinhas. O óbvio me falta, mas a masturbação reflexiva que não leva a nada jamais me escapa, eu questiono tudo que eu sou apenas para ser mártir de porra nenhuma.

A mente trabalha e trabalha, minha mente se revira feito um saco na água quente. Meu corpo é gelado, os abraços estão em falta. Tudo vai quarando na madrugada, mergulhando em mim, quase morro afogada.

Passei esses dias na cama, e você já sabe o motivo;
fumei uns dois maços por dia, e
bebi um vinho velho que estava na geladeira
comi mal, não bebi água
vi vídeos inúteis no youtube e ignorei ligações
no vácuo de mim mesma,
no vazio gigantesco de meu universo,
retornei à gênese dos planetas
sendo compostos pelo pó das estrelas.
Não há luz emanando de mim,
apenas um resquício da radiação
de uma explosão cósmica, vinda direto
do universo.

Deitada na cama,
perdendo toda noção de gravidade em mim
deixando os pensamentos flutuarem para longe:
eu sou pó das estrelas, e existe um buraco negro, em mim.
Sugando toda luz ao seu redor, a leve luz que viaja pelo espaço
e denso, destrói tudo que encontra, sendo visível justamente por não ser,
sendo incrivelmente belo a distância
a incrível trágica beleza, de tudo que simboliza um fim.

Me desfiz em poesia.

Me refaço em antimatéria.
Me refaço em explosões atômicas
em cada esquina.

Não nasci para rimar.

Nessa hora, o cérebro muda sua química
e abaixa a taxa de serotonina,
vitamina D e endorfina.
Brutalmente, o cérebro se contorce
feito um bicho vivo na panela fervente.
e minha pele é uma roupa apertada
que eu me vejo obrigada a usar,
desconfortável demais para me mover,
justa demais para respirar.

De uma explosão cósmica,
eu sou pó das estrelas.
Me refaço agora, apenas para desfazer no final,
explodir dentro de mim mesma,
uma pequena prova viva da teoria do Caos:
um sistema dinâmico e complexo
instável na evolução temporal.

Tudo se desfaz…

Minhas inseguranças se entalam na garganta,
enquanto grito, tentando recuperar de volta minha autoestima
essa coisa de amar-se por completo é tão difícil
e agora qualquer suspiro é bem vindo.
Quero recuperar o fôlego,
o hoje é só mais uma volta que a Terra deu sem si mesma
quero fechar os olhos, descansar as retinas.
Um último suspiro antes da colisão final
na matéria mais densa, localizada em meu centro
nenhum som se propaga no vácuo,
de encontro ao meu buraco negro,
eu flutuo em meu espaço.

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