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Todos tenemos sueños y algo que decir, esto es mi sueño, por favor, no ignoren, compartan, apoyen. A

Todos tenemos sueños y algo que decir, esto es mi sueño, por favor, no ignoren, compartan, apoyen. 

Acabo de publicar mi primer libro en Amazon (https://www.amazon.com/-/es/dp/1653833521/ref=cm_sw_r_cp_awdb_t1_WvbeEb2WNS54P), por lo que pido su apoyo para que sea difundido. Por ahora sólo está en español, pero espero que en unos meses pueda subirlo en inglés. 

Pueden encontrarlo en tapa blanda en amazon.com con un costo de 15usd, o bien en e-book en Amazon de Estados Unidos, México, España, UK, Italia, entre otros, con un costo de $149.99 MX. 

 Ahora, si ustedes tienen suscripción en Kindle, pueden encontrarlo ahí y leerlo sin costo alguno. Por favor apóyenme en este proyecto, ya sea compartiendo la información, leyendo o adquiriendo el libro. 

Desde mi punto de vista no pienso que sea la típica historia de amor, creo que es más sobre alcanzar tus sueños, superar obstáculos y sí, enamorarse, porque es parte de la vida. Espero que cuando lo lean, si lo leen, puedan decirme qué piensan, si les gustó o no y por qué. 


Descripción:

Lo único claro en la mente y el corazón de Olivia Breen es el sueño que ha tenido desde los cinco años, formar parte del Royal Ballet de Londres y convertirse en una prima ballerina. El camino no es fácil, así que tendrá que esforzarse mucho por conseguir su meta y sobre todo por no distraerse ante la presencia de Sebastian, su mejor amigo de toda la vida. ¿Podrá Olivia concentrarse en cumplir su sueño o lo abandonará por quedarse en Brooklyn al lado de Sebastian?


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Olhando de fora, nada faz sentido mais
empunhando um olhar decidido no espelho,
penso em meus constantes pesadelos
que se esvaem quando abro meus olhos.
No despertar cheio de alívio, acompanhado da luz da manhã
eu me pego, serena, por um breve segundo
depois, tudo me pega de volta
as gigantes ondas se quebram sobre mim.
Nada mais faz sentido, mas minha lógica luta para se manter de pé
pessoas se ajoelham em suas rezas privadas
cada uma para o deus que lhe convir
cada uma carrega um olhar desconfiado
toda conversa tem morrido pela boca
toda conexão é quebrada antes mesmo de existir.
Nada mais faz sentido, mas a mente se esforça
em minha dificuldade de ser gente, sou cativeira de mim
em minha dificuldade de alcançar o outro, me silencio pelos dias
tudo faz falta, nada sacia.
Na beira da estrada, jaz um quê de esperança
atropelada novamente, por meus gestos estabanados
Nada mais faz sentido,
mas a lógica se pega acuada, a lógica queima no Sol a pino
minha pele se resseca, meus dedos tremem
cada um reza do jeito que dá, do jeito que pode
melhor se juntar as mãos, melhor se dobrar os joelhos
melhor ainda se tiver fé, melhor se se castigar.
Olhando de fora, eu até quero estar dentro
olhando de fora, um pouco de ignorância não cairia mal
eu fico acordada por noites, tentando parir qualquer coisa
de paz de espírito
meus olhos inquietos, passeiam pelo quarto
minhas mãos não se aguentam sozinhas
eu fico acordada por noites em um mal sucedido parto
fingindo que reconheço a mim mesma
eu esqueço como cheguei até aqui.
Olhando de fora, sentindo o sangue correr nas veias
sentindo minha mente correr para longe
correndo das responsabilidades, minhas pernas doem
parada no tempo, e as horas correm
meu eu derradeiro, se arrasta com os dias
eu ouso tomar tento, mas tudo me desce mal:
um enjoo crônico no estômago
desses pesadelos que tomam vida no meu quarto,
das rezas sem fé à deuses de bronze,
da fé que deveria ser em mim, pra variar,
dos sussurros inaudíveis de sonos perturbados
pesco, a mim mesma, em um mar inquieto;
caçadora de mim, coloco-me armadilhas.
Olhando de fora, eu caio em um paradoxo:
deus me livre, mas quem me dera eu me encontrar.

O corpo muda
o estômago não ronca e o apetite evapora
nas longas horas sem comer
o corpo emagrece
a barriga diminui, as coxas ficam finas
as maçãs do rosto se atenuam
o corpo muda
o cabelo cai e a unha quebra
as articulações doem
olheiras profundas, a pele oleosa
o olho vermelho das noites sem dormir
o corpo muda
as espinhas nascem
o vão entre as coxas, aumenta
a barriga diminui ainda mais
um, dois, três números a menos
uma mente doente, quem diria?
o corpo até parece daquelas modelos
o corpo sem estrias, sem celulite
sem vitaminas, sem vida
o corpo muda
o cabelo fica ralo
e as unhas na carne porque não conseguem crescer
as unhas na carne, e a pele oleosa
nem meio litro de água por dia
mais perto da morte que da vida
aparência é tudo.
cheio de elogios, o corpo ainda segue
usando 40, mesmo desenvolvendo anemia
isso nem é um caso de anorexia
um corpo doente, mas magro
e a depressão come solta
pelo menos alguém está comendo
aqui embaixo ninguém está vivendo
um corpo que passa os dias na cama
e a coluna começa a sentir um desconforto
o estômago não ronca
e a barriga agora está lisa
pelo menos alguém elogia
o corpo sem estrias
mais morta do que viva
a pele pede socorro
e os cabelos quebram na frente da escova
as frutas apodrecem na fruteira
a comida se empilha na geladeira
um pulmão que só recebe fumaça de cigarro
e o estômago que se abraça desolado
o coração chega a ter taquicardia
o corpo muda
e vai definhando pelos dias
sem coragem de ir na terapia
e a mente, no crânio, se atrofia
quem se importa com saúde mental
quando é o peso que se elogia?
o corpo muda
murcha com o passar das horas
a flor podre encolhida na cama
mais um número a menos
“como você tá linda”
“vão entre as coxas e cadê essa barriga?
“me conta seu segredo, amiga?”
as costas doem, as articulações pedem socorro
pelo menos alguém consegue pedir ajuda
agora o corpo na casa do 38
e a pele que mal lembra como é
sentir a luz do dia
vitamina D, serotonina
o corpo muda
agora, só existe
a pele pálida, e as olheiras profundas
três horas de sono
não vão te fazer maravilhas
o desleixo é quase palpável
quem consegue tomar um banho
quando apenas se quer morrer?
os dentes amarelados
e o cabelo oleoso, amarrado em um coque
por incontáveis dias
o corpo muda
agora só quer ajuda
a mente não aguenta mais
“segurem-se todos, nós vamos afundar”
e mais uma crise na semana
o cérebro já falha em fazer conexões químicas
a depressão dança ao lado da ansiedade
e o espelho no quarto reflete apenas a visão da morte
o estômago recebe comidas gordurosas:
massas, queijos, doces…
nada que vá saciar por muito tempo
a decepção dos órgãos é evidente
um corpo magro, mas a mente doente
o corpo muda,
as cicatrizes que o diga.

você não encontra um culpado, sabe?
é só… como as coisas se tornam. elas são complexas. são vários fatores embolados, que rolam pela história e desengata nessa merda toda.
existem os culpados de sempre, mas no fim:
eles são tão abstratos, não é? quem são eles?
quem são os vilões? e nós sequer somos mocinhos?
não.
mas eu posso te dizer isso, talvez sejamos vítimas.
e não há nenhum conforto nisso apenas a certeza dolorosa do que se esvai por entre nossos dedos.
nós somos corpos com hemorragia interna, descoberta tarde demais
a gente não sente até não conseguir sequer respirar.
daí você quer avisar as pessoas que elas estão sangrando por dentro
mas elas irão ignorar até que a primeira vertigem lhes acometa
e você vai poder culpá-las? ora, toda hemorragia interna é um conceito abstrato…
até não ser mais.
algo se perde na linguagem, na comunicação, não há união, mas desesperos individualizados.
a verdade é que eu cansei de encontrar o culpado. eu só quero cauterizar a porra da ferida.
alguma coisa precisa mudar, talvez seja mais micro do que qualquer coisa.
talvez a dor seja bem aqui dentro, talvez a inércia contribua um pouco…
é só que… porra, estamos tão cansados.
estou falando de um pequeno abcesso no fundo da garganta, do dente inflamado
a infecção não tratada que só cresce e se espalha
estou falando de negligência
porra, eu estou falando de gente morrendo!
estou falando de um sistema todo se quebrando: de uma falência múltipla dos órgãos.
estou falando desse abcesso enorme na boca do estômago, dessa carne podre.
estou falando de radicalismo.
e a gente já passou do momento de ter medo dessa palavra.
da insurgência, da desobediência… eu não quero ter medo de um caos organizado.
estou falando de arrancar pela raiz, cortar o membro gangrenado.
é isso ou o sangue continua a jorrar.
essa merda toda não é de hoje, é só que agora a infecção desceu da garganta, pela laringe, chegou no estômago, pulmões e fígado. aí, meu bem, aí já era.
a verdade é que estamos na porra da uti e algum carniceiro filho da puta quer desligar os aparelhos, vender nossos órgãos, furar a fila do transplante.
a metáfora ainda persiste, mas não se engane, gente morrer transborda dela.
a metáfora é só um jeito melhor de dizer que estamos fodidos,
um jeito mais bonito, mais palatável.
é só para gente não esquecer que tumores também crescem em silêncio.
bom, parece que o cirurgião chefe desse hospital esqueceu um bisturi em nosso estômago.
agora é tentar não morrer.
agora é lutar por justiça.
justiça…
justiça é um conceito abstrato demais pra gente entender. e só uma forma de dizer que tínhamos que ter o que é nosso por direito. que é nossa obrigação ter!
que é nossa obrigação viver bem.
que essa chaga não deveria continuar crescendo.
que nossas vidas estão em risco, e tem gente por um fio.
talvez aqui as metáforas acabem. um poema não pode seguir por muito tempo.
nem tudo é poesia, isso aqui é só desgraça mesmo.
cortes na aposentadoria não é poesia;
gente preta e favelada morrendo não é poesia;
universidades fechadas não é poesia;
desistir de lutar contra o trabalho escravo não é poesia;
feminicídio não é poesia;
a sangria não para. é interno, mas mata.

um corpo fechado, encostado na parede
eu brinco com meus cabelos
todas as vezes que não sei o que dizer
retraída na cadeira do bar
mergulhada em mais um copo de cerveja
na voragem do momento
eu desvio meus olhos castanhos
um corpo fechado espantando possibilidades
uma velha cantiga de menina ecoa
no cérebro:
quem eu sou agora?
e o que você consegue ver?
na tez eu enterro vontades
embaixo das cicatrizes das rejeições passadas
um corpo fechado, rígido na cadeira
para não dizer o que quer, mais um gole na cerveja
para gritar e queimar em cada segundo do presente
a chama acesa em meu peito
junto do cigarro, se evapora a espontaneidade
olhos castanhos e a perna cruzada
timidez definitivamente não é a palavra
um corpo fechado não parece querer nada
na voragem da insegurança
meus dedos batem na borda do copo
minha boca sorri engolindo palavras
e a distância cada vez aumenta
um corpo fechado, os pés cansados
os braços não se estendem
para quem está do outro lado.
disfarça costume com mais um trago
e queima a cachaça, boca adentro
as horas correm me deixando para trás
quando vou dizer o que eu quero
já passou o momento.

Em noites como essa, a mente nunca é confiável. O calor na janela e um baita peso nas costas. A razão vai dançar no telhado do prédio, flertando com o abismo, rindo diante a possível queda.

Brincando entre saudades e o se-eu-tivesse-dito-isso, se-eu-tivesse-feito-aquilo entalados na garganta feito pedaços de comida que descem no lugar errado, mas não engasga e nem mata. A garganta arranha nas possibilidades largadas no caminho.

A confiança senta-se no parapeito da janela, sem medo de estar no quinto andar. Dançando ao som de Isaac Hayes e mexendo a cintura, animada. Disfarçando o medo com inconsequência, sentindo a noite adentrar os poros.

Estou nua em meu quarto, fumando mais um cigarro tentando não me afogar em mais uma dessas noites, a solidão de um sábado, enquanto a mente dança com o diabo.

Insegura de meus adjetivos, eu apenas consigo listar meus defeitos. Confesso que sinto saudades de afetos óbvios demais.

O óbvio me falta.

A consciência se acovarda e se esconde embaixo da cama, enquanto no final da garrafa de vinho, eu esboço um sorriso que de forma alguma é fruto do meu mérito. A razão urra no telhado, de olhos fechados, enquanto se equilibra bem na borda: apenas para sentir alguma coisa.

O que a gente não faz para se sentir vivo? A gente é capaz de morrer por isso.

Noites como essa e os gatos arruaceiros estão revirando as latas de lixo e mãos estão sendo dadas em algum lugar dessa cidade, um orgasmo explode e beijos se desenrolam, enquanto línguas se abraçam.

A solidão come solta. A solidão me devora viva. Mas a confiança finge costume: agora, sem ninguém aqui, tudo fica mais fácil. É fácil ter coragem, quando ela não é necessária. Esses nós na garganta me fazem tossir enquanto a pele quase pinica por um toque quente e um olhar que possa arrebatar certos devaneios inúteis, expurgar certos demônios.

A confiança se abraça, com frio. Do quinto andar, qualquer queda parece um vôo raso. Uma mente transtornada jamais pode vencer a gravidade, mas a razão se perde tentando rodopiar no telhado, querendo tocar o céu, atingir algum paraíso particular. Estender os braços para cima e, pela ilusão de ótica, alcançar as estrelas.

Certas vezes o mundo não precisa fazer nada, sozinho a gente consegue se machucar. E a consciência, amuada, se retrai embaixo da cama, pedindo uma trégua nesta festa rumo a insanidade.

Ah, mas tudo que eu não disse e deixei de fazer, aquilo que me escapou… Eu me perdi nas entrelinhas. O óbvio me falta, mas a masturbação reflexiva que não leva a nada jamais me escapa, eu questiono tudo que eu sou apenas para ser mártir de porra nenhuma.

A mente trabalha e trabalha, minha mente se revira feito um saco na água quente. Meu corpo é gelado, os abraços estão em falta. Tudo vai quarando na madrugada, mergulhando em mim, quase morro afogada.

Ano passado,
tive medo desse país virar uma ditadura
verdade seja dita, confesso que eu estive errada.
olhei para o passado com medo de se repetir
olhei para o passado, mas ele estava aqui
os métodos são outros, silêncio é uma forma de tortura
não existe doi-codi, não mais levam os jovens
as verdades foram deslegitimadas
ditadura hoje é institucionalizada,
no vazio das palavras, é respaldada
e a bala perdida se encontra,
a polícia, estrategicamente, sempre se engana.
a terra é plana, o nazismo é de esquerda
lutar é terrorismo, mas dê para esse cidadão uma arma!
posicionamento é doutrina
e lá vai mais uma professora presa
por citar a esquerda numa sala de aula
as milícias tomaram o poder
e a verdade, apenas por ser, foi executada.

Passei esses dias na cama, e você já sabe o motivo;
fumei uns dois maços por dia, e
bebi um vinho velho que estava na geladeira
comi mal, não bebi água
vi vídeos inúteis no youtube e ignorei ligações
no vácuo de mim mesma,
no vazio gigantesco de meu universo,
retornei à gênese dos planetas
sendo compostos pelo pó das estrelas.
Não há luz emanando de mim,
apenas um resquício da radiação
de uma explosão cósmica, vinda direto
do universo.

Deitada na cama,
perdendo toda noção de gravidade em mim
deixando os pensamentos flutuarem para longe:
eu sou pó das estrelas, e existe um buraco negro, em mim.
Sugando toda luz ao seu redor, a leve luz que viaja pelo espaço
e denso, destrói tudo que encontra, sendo visível justamente por não ser,
sendo incrivelmente belo a distância
a incrível trágica beleza, de tudo que simboliza um fim.

Me desfiz em poesia.

Me refaço em antimatéria.
Me refaço em explosões atômicas
em cada esquina.

Não nasci para rimar.

Nessa hora, o cérebro muda sua química
e abaixa a taxa de serotonina,
vitamina D e endorfina.
Brutalmente, o cérebro se contorce
feito um bicho vivo na panela fervente.
e minha pele é uma roupa apertada
que eu me vejo obrigada a usar,
desconfortável demais para me mover,
justa demais para respirar.

De uma explosão cósmica,
eu sou pó das estrelas.
Me refaço agora, apenas para desfazer no final,
explodir dentro de mim mesma,
uma pequena prova viva da teoria do Caos:
um sistema dinâmico e complexo
instável na evolução temporal.

Tudo se desfaz…

Minhas inseguranças se entalam na garganta,
enquanto grito, tentando recuperar de volta minha autoestima
essa coisa de amar-se por completo é tão difícil
e agora qualquer suspiro é bem vindo.
Quero recuperar o fôlego,
o hoje é só mais uma volta que a Terra deu sem si mesma
quero fechar os olhos, descansar as retinas.
Um último suspiro antes da colisão final
na matéria mais densa, localizada em meu centro
nenhum som se propaga no vácuo,
de encontro ao meu buraco negro,
eu flutuo em meu espaço.

Lembro que sempre tive uma baixa estima de mim mesma. Veio desde pequena, esse sentimento de não-o-suficiente. Minha memória mais viva disso é ter chorado no banheiro da escola, na sexta série. A sala de aula toda gritou em uníssono meu apelido e eu não aguentei. Me vi quebrando em milhares de pedacinhos e os arrastei até o banheiro, onde eu chorei e me perguntei, pela primeira vez, se eu não era bonita o suficiente. Eu certamente não era igual as outras garotas, bonitinhas, em seus corpos magros, cabelo liso e boa personalidade. Eu era quieta, não sabia me portar, não sabia fazer amigos, não sabia dizer a coisa certa. Eu e minha cara séria, meu jeito aéreo, desajeitado.

Não melhorou muito nos anos seguintes quando eu notara que todas as garotas já tinham beijado, menos eu. Lembro de querer, mas ter medo de rirem da minha cara, de algum menino rir da minha cara por considerar um beijo dele. Lembro que um deles riu, lembro que eu chorei olhando no espelho do quarto. Eu era adolescente, e adolescente geralmente sente essas coisas, esse desalinhamento com o resto do mundo, mas eu já era precoce nesse negócio de sentir e eu sentia que não havia lugar para mim, nem entre aquelas que nem lugar tinham.

Enquanto a de outras garotas queimavam, minha confiança era um vela frágil, resistindo a um terrível vendaval. Ela fraquejava, solitária, em algum canto de minha mente, falhando em esquentar o quarto, meu cérebro.

Na faculdade, pude notar que minha personalidade ficou mais forte, não muito, mas eu já não me sentia tão fraca, não me questionava sobre meu valor diante do espelho. Jurei que iria experimentar de tudo, viver de tudo, eu me achei bonita e lembro de ter pensado que eu poderia tocar, pela primeira vez, esse mar que tanto conseguiu mergulhar, enquanto eu não saía da praia.

Minha confiança, queimou um pouco mais forte, clareou o quarto, esquentou meu corpo, meu cérebro. Eu gostei de mim, até ter adoecido.

E então, o quarto ficou no mais completo breu.

Enquanto meu corpo emagrecia pela falta de apetite e eu recebia esses elogios de como eu estava mais magra e bonita, eu me sentia podre por dentro. A vela que flamejava em meu quarto não mais queimava, sua fumaça serpenteava o ar, procurando uma saída. O cheiro de parafina irradiava até meu olfato e eu me senti triste.

Já no crepúsculo da juventude, quase sendo mulher, eu voltei a me comparar com os outros, seus corpos e desenvoltura. A confiança que funcionava quase como um imã, para que todos os olhassem, me faltava. Eu tinha dificuldades nos bastidores, olhando as personagens principais tomarem conta dos holofotes. Meu corpo deixou de ser o problema, talvez o problema fosse todo o resto e a palavra beleza era um conceito que eu não mais conhecia, e eu confundi desejo com amor, admiração. Mas o desejo se dissipa, evapora, queima, e os velhos vazios só fazem aumentar. Mesmo quando melhorei e o corpo mudou. Entendi os elogios como uma forma de quebrar o silêncio e os carinhos como forma de matar o tédio e eu juro ter tentado gostar de mim como eu queria que os outros gostassem.

Minha vela solitária tornou a se acender, mas tímida, corria sempre o risco de apagar. Meu vendaval  era mais forte que seu calor e as janelas estavam completamente abertas. Minha confiança era tão frágil quanto meu ego, sempre faminto. Minha beleza tão derradeira quanto uma noite qualquer e minha pele carregava essas inseguranças que quase saiam dos poros e, gotejavam, deixando um rastro onde quer que eu fosse.

A única coisa que sempre me senti orgulho de fazer foi escrever, estava cansada de lutar contra meu rosto e corpo, eu queria ser lida, minha voz seria o suficiente, o resto era consequência. Por isso o desejo se tornou tão banal para mim, se eu era bonita, não importava tanto, eu apenas queria ser lida, e eu conseguia queimar toda vez que escrevia, minhas histórias são minhas cinzas, que flamejaram pelas madrugadas, em uma vela solitária que conseguiu resistir a mim mesma.

Aqui estamos nós dois
deitamos em uma cama desconfortável
feita de pregos e fantasmas do passado
os erros se arrastam pelo chão gelado
como correntes que se sentem presas
em corpos cheios de pecados.
Deitados de frente para o outro
nos enxergamos pela primeira vez
e nos conhecemos depois de tantos anos
como se antes, eu apenas soubesse teu nome
a cor dos teus olhos e sobre você,
apenas alguns fatos.
A visão é triste, eu confesso
você é um espelho dos anos deixados para trás
quando o amor era o analgésico de um sintoma
de uma doença mais grave
que eu nunca poderia confessar.
(Tudo tem que ser pelas razões certas, até amar.)
Estou quase envergonhada pela melhora que tive
pelas crises que ficaram para trás
enquanto você me diz que está parado em 2017
usando a mesma camiseta velha da culpa
e uma postura que não te serve mais.
Eu estive errada, é verdade
enxerguei suas rachaduras como quem encontra
alguém familiar em uma multidão
e tentei lhe curar, usando como um remédio
minha própria vitalidade.
Pensei em te ligar no mês passado
vi algo na TV e me lembrei de você
e de uma piada nossa que hoje não tem mais graça
lembro de ter ficado preocupada
e na realidade, não posso fazer nada
se meus amores do passado ainda ficam costurados
em algum lugar do cérebro como panos remendados
Pensei em saber como você tava, ainda que eu já soubesse
a resposta. E então haveria um silêncio na linha
porque eu não saberia mais o que dizer
porque aqui estamos nós dois
e enxergando a verdade, ninguém gosta do que vê:
você se lembra que está empacado
e eu me lembro dos erros do passado
e me pergunto se eu já fui algo além de uma distração
de suas próprias desgraças para você.
A tristeza ronda a cama, desconfortável
como uma cobra azulada, da cor dos seus olhos
opacos.
Essa amizade já estava fadada ao fracasso
quando eu senti o primeira sinal de pena, rondando a garganta
e você quase sente raiva, por eu não ter ficado.
(E os olhos se encaram, raivosos
e as retinas inutilmente, batalham.)
Deitados em uma cama feita de arrependimentos
eu lembro que quis curar o incurável
mas os céus seguem caminhando bem acima de nós
e eu finjo não estar desconfortável
quando acendo mais um cigarro
cujo o gosto é demasiado amargo.
Você me conta que agora está internado
que gosta de estar rodeado de pessoas piores que você
eu digo que estou estudando e escrevendo finalmente
aquele livro que nunca começava a ser escrito
você atesta o óbvio “estamos em fases diferentes”
eu não quero soar decepcionada
afinal você não me deve mais nada,
mas eu não consigo evitar de estar totalmente mudada
enquanto você permanece dormente.  
Aqui estamos nós dois
deitamos em uma cama desconfortável
feita de pregos e fantasmas do passado
os erros se arrastam pelo chão gelado
como correntes que se sentem presas
em corpos cheios de pecados.
Mas eu já não me visto com as velhas roupas
e a culpa não me serve mais
e meus olhos passeiam por meu corpo
e eu quase te digo que eu ando em paz
você deveria fazer o mesmo
(Certas coisas ficam só com a gente).
Agora me levanto cansada
o amor agora tem outro significado
algo de leveza e olhares gentis
meu bem,
em certas camas nos deitamos sozinhos
seguimos agora em caminhos distintos
e se servir de algum consolo agora
escrito em algum lugar distante da memória
seu nome aqui jaz.

Chego tarde da noite em casa, as luzes do meu prédio já estão quase todas apagadas, indicando que a maioria já foi dormir. Do portão do condomínio, consigo ver minha janela, com as luzes igualmente apagadas.

Ao fim do estacionamento, que está localizado no meio de dois prédios, existe um parquinho que está aí desde que me mudei para cá. Ele já é bem antigo, e as crianças não brincam nele mais. Suas cores amarelo e vermelha estão opacas e em vários cantos pode-se ver o ferrugem tomando conta. Um dos balanços está quebrado e pequeno escorregador segue por um fio. Eu me dirijo até ele, quando sinto que não quero entrar em casa. Quando sinto que não quero sentir o cheiro do meu espaço, e os móveis dispostos de certa forma. A casa vazia, as paredes sujas. Meu cheiro no meu quarto e a minha cama, que me espera para deitar.

Sento-me em um dos balaços que pode quebrar a qualquer momento, ainda mais com o peso de uma mulher adulta, mas dou de ombros. Às vezes eu tenho pavor de ficar sozinha, pavor de olhar minha casa e sentir que há espaço suficiente para pensar. Tenho pavor de dormir, por isso preciso de auxilio de um remédio. Fechar os olhos, com a cabeça deitada no travesseiro, faz com que lembranças inundem meu cérebro. De olhos fechados tudo parece mais intenso. As lamentações, o peso dos dias, minhas saudades. Eu continuo olhando para o espaço vazio ao meu lado. Eu não funciono bem sozinha. A solidão sempre grita alto demais para mim, não importa o quanto eu tape os ouvidos. Sentada no balanço, eu acendo um cigarro enquanto eu olho para a lua tão cheia e amarela, por entre as árvores. Eu penso que eu não quero subir as escadas. Sentada ali, me sinto confortável balançando, levemente, para frente e para trás.

Eu sou cheia de medos e inseguranças que quase se sobressaem na pele. Nesses momentos, sem ninguém a minha volta, eu assumo que sou frágil. Uma vez me disseram que eu não pareço insegura. Talvez pela forma que converso, talvez pela forma que me porto. Talvez seja as últimas fotos postadas nas rede sociais. Tudo para fingir bem. Me esconder bem. Tudo para não estar sozinha, sentada no velho parquinho do prédio.

Meu cigarro queima rápido demais e não demora a eu jogar a bituca no lixo. A vontade é acender outro. Eu estou fumando demais. Vivo sobre a ajuda de coisas externas. Antidepressivos, controladores de humor, indutores de sono. Cigarro para acordar, depois do café. Cigarro para pensar. Um calmante se eu tiver um crise, cigarros também para aguentar crises. Sexo se estiver me sentindo sozinha. Talvez uma balada. Eu não me basto. Café para acordar e curar a ressaca. Álcool para me divertir, talvez outras drogas, dependendo do tamanho do estrago. Tudo para tentar possuir por mais tempo uma felicidade que nunca foi minha por direito. Terceirizando os serviços que eu deveria fazer por mim mesma.

Tudo que vai contra ao que aprendi na terapia.

Me balanço um pouco mais forte, e o rangido das correntes começa a ecoar por todo o estacionamento. Agora, consigo sentir o vento contra meu rosto e meus cabelos esvoaçarem contra o impacto. Eu queria estar confortável dentro de mim, mas me sinto apertada dentro dessa pele que parece mais uma roupa justa demais. Não é questão de chorar mais, é uma questão de um entorpecimento a longo prazo. Agora estou indo mais rápido, eu quase me sinto tranquila. Quase não penso em mais nada. Quase… Agarrando essa frágil paz pelas mãos.

Naquele sábado eu havia ido para uma balada sozinha pela primeira vez. Verdade seja dita, eu só não queria voltar pra casa, pegar o metrô e olhar pela mesma paisagem e notar aquele sentimento de vazio, feito vespas caminhando em meu estômago, com suas patinhas leves e seus ferrões afiados. Fui sozinha, a vontade era só dançar, ouvir alguma música e dançar até que o corpo todo estivesse suado e eu pudesse de alguma forma me exorcizar na pista de dança.

Já cheguei e comprei uma cerveja, só para não ficar de mãos vazias, já que eu não tinha com quem conversar, se bem que é fácil puxar conversa fiada. Só é cansativo se forçar a isso. Querer parecer que você está fazendo alguma coisa: conversando, beijando, fumando, bebendo. Beber e fumar só trazem malefícios a longo prazo. Dá pra lidar com isso, eu consigo aguentar as consequências. Forçar-se a socializar por outro lado…

Fui para a pista de dança e já tocava uma artista indie de Pernambuco que eu adoro, misturando um eletrônico com uma espécie de sofrência que eu juro, faz todo o sentido ouvir assim, na solidão. Solidão pura, quando você é o único ser em um local que não está com ninguém. Dancei! Dancei por duas horas seguidas misturando cerveja e gin tônica. Saindo, por vezes para o fumódromo e trocando algumas palavras com algumas pessoas, nada interessante. Era algo como piadas sobre o público jovem ou alguém me perguntar meu signo embora eu já esteja na idade de que signo não me importa, mas eu respondo: peixes, ascendente em gêmeos, lua em áries e meu vênus é maravilhoso!!! Áries também. Ai cara eu odeio pessoas de câncer, blá blá blá. Me dou muuuito bem com pessoas de leão, etc.

A cerveja rapidamente ficou quente, e o gelo da gin tônica derretou no copo e tornou o drink aguado. Logo fiquei entediada, em algumas duas horas descobri que não sou uma dessas pessoas que vão em balada sozinhas. Talvez eu não seja uma dessas pessoas que conseguem ir com calma em uma coisa de cada vez, ou esperar a coisa ficar melhor daqui trinta, sessenta, oitenta minutos. Talvez eu apenas não consiga esperar a música ruim do set passar e o próximo DJ ser anunciado. Eu me entedio rápido, eu fico de saco cheio rápido, eu só perdi a paciência.

Talvez, só talvez, essas coisas meio triviais ou têm que ser boas ou não fazem sentido. Eu perco a vontade, o tesão. Falando em tesão… no meio da madrugada resolvi mandar mensagem para um desses caras na lista do whatsapp, gente que eu sei que faria o mesmo comigo, que talvez eu não tenha sentido essa conexão profunda, que talvez me salvassem dali, ou me oferecesse algo melhor pelas próximas horas.

Joguei um verde, disse que a balada estava ruim, mas cara, é caro ir daqui até minha casa de uber, acho que vou ficar aqui nessa tortura pelas próximas horas. O cara pergunta quanto daria um uber e eu digo: é caro. Faço um drama, mas me mantenho engraçada, reclamo um pouco do lugar, mas elogio o som. É só que aqui só tem criança. Ele não demora a oferecer para pagar um uber da balada até sua casa: você pode dormir aqui, se quiser… Mas eu não finjo dúvidas, eu já aceito.  

Não é cansativo, essa insatisfação crônica? Esse vespeiro em algum canto do cérebro que te faz querer pular na próxima cama, usar a primeira droga, se recusar a largar a festa? Eu que o diga…

Chego no prédio e subo o elevador. No caminho, andares acima, tento retocar o batom no espelho e arrumo meus cabelos e me pergunto se estou bonita. Sabe, eu tenho pensado nisso esses dias, na beleza e eu não ando muito feliz comigo, mas eu juro tentar deixar isso em casa, pra ninguém conseguir farejar por aí.

Ele me espera na porta do elevador, sorrindo. Camiseta velha e samba canção. Me dá um abraço apertado, elogia meu cheiro e abre a porta de sua casa para eu entrar.

Sentamos no sofá, enquanto ele me oferece uma cerveja e eu retiro os sapatos que agora me incomodam. Eu o encaro alguns segundos, há um sorriso no canto de seus lábios, talvez esteja com o ego lá em cima: olha só a surpresa dessa madrugada de sexta-feira! Talvez esteja feliz em me ver. Seu sorriso convencido me irrita um pouco, mas eu juro deixar isso pra lá. Não quero analisar demais isso aqui e logo começamos a conversar sobre francamente qualquer coisa, a conversa não é muito profunda e eu me peguei prestando mais atenção na música meio brega que ele colocou pra tocar no spotify. Eu não quero soar escrota, é só… Estou tentando praticar essa coisa nova, de não colocar importância em tudo.

O enxame no meu cérebro começa a zunir novamente. Sinto picadas em meu crânio e algo me diz que o velho tédio está voltando, voltando a formigar no corpo e me fazer duvidar se isso era uma boa ideia, talvez não. Provavelmente eu não voltarei me sentindo muito feliz amanhã.

Mas agora ele diz que está com sono, quer ir pra cama. Eu aceito, e não acharia ruim se apenas dormissemos, talvez fosse até melhor. Talvez fosse mais sábio, mais maduro, menos covarde. Só deitar e dormir, sem transar apenas para matar alguma coisa que segue se movimentando pelo meu corpo. Quando nos deitamos ele me beija pela primeira vez, e sua boca tem gosto de pasta de dente, a minha, provavelmente, de cerveja. Ele rapidamente tira a camiseta que eu havia acabado de colocar. E nada é dito, enquanto ele beija meu corpo e é só aí que eu esqueço que minha mente se comporta como uma colméia em caos.

Enquanto minhas pernas estão entrelaçadas em sua cintura e ele coloca a camisinha, olhando para meu rosto, iluminado pela luz que irradia da janela, eu respiro fundo e fecho os olhos. Seu pau é a droga que faz minha mente sair de sintonia, onde uma tela preta se instala entre eu e meus pensamentos, minhas agonias e angústias e essa vontade visceral de apenas ter algo real nas mãos. Eu quase esqueço quem sou entre os gemidos e as mãos que passeiam entre curvas cabelos, barba, boca. Talvez minha psicóloga tenha razão, eu uso o sexo como válvula de escape. O sexo é intenso e rápido, gozar ou transcender não estava nas expectativas de qualquer forma. Mas minha pele está vermelha e minha mente se acalma.

A putaria logo me faz dormir, mais tranquila. Eu chego a não ter nem pesadelos.

Acordo no outro dia antes dele. Faz um baita Sol lá fora e ele ronca baixinho, apoiando a cabeça em uma das mãos. Me levanto, tomo uma água, me visto e o acordo: dia cheio, preciso ir pra casa. Ele me leva, sonolento até a porta, nos despedimos com um selinho e eu caminho até o metrô. Não sentindo nada, essa falta do sentir quase machuca, quase perfura, mas não chega a tanto. Não sangra, não dói. Só incomoda, é quase um câimbra dos sentidos. Não há música triste de fundo, não há dores para sanar. Só uma ressaca, uma sede, uma fome que não são apenas literais.

Você adora mulheres louca, não é? Dançando despreocupadamente, na pista de dança, com as mãos no quadril, enquanto riem umas para as outras, gritando: “amiga, eu adoro essa música!”. Você adora mulheres que gostam de uma cerveja em um boteco, mulheres sem frescura, que topam de tudo. Que têm assunto para varar a noite naquelas cadeiras de plástico, com aquela cerveja barata, quando o assunto rende e segue suavemente feito nuvens do céu e o próprio céu que se transforma em milhares de tons de azul escuro até clarear gentilmente e ter sua escuridão partida pelos raios de Sol da manhã.

Você simplesmente ama essas mulheres. Mulheres de opinião, que dizem o que sentem, o que querem, o que odeiam. Que pensam, que querem algo maior da vida além da tediosa banalidade e que têm coragem de enfiar a mão mais fundo, porque não há nada mais chato que o superficial. Você simplesmente adora falar sobre o mundo, música, política, filmes e cultura, sobre a sociedade e religião, sobre arte… Falando em arte, você não adora as artistas? As mulheres que escrevem, pintam, e desenham, aquelas que tocam e cantam, que declamam suas poesias ou escrevem timidamente em seus quartos. Mulheres livres, você uma vez disse, mulheres loucas que são verdadeiras. Que sabem se defender, que não respondem a ninguém. Mulheres que parecem um conceito de um filme, aquele tipo artístico, engraçada, complexo, cabelo colorido, tatuagens e personalidade transbordando pra fora. Aquela que vira o rosto para você e num sorriso, te faz ter uma outra percepção de vida, porque elas, sim, seriam alguma coisa como um oráculo, um altar, um templo, uma reza.

Um orgasmo.

Talvez fossem melhores na cama, você pensou. Essa liberdade toda trazia menos timidez, mais desenvoltura. Não existe medo, né? De tentar coisas novas, Esse calor da pele, que chega queimar quando toca, e toda a disponibilidade de não pensar duas vezes antes de fazer algo porque quer. A liberdade que parece ter sido escrita em um livro, a personagem que só existe para libertar o mocinho. Você, um personagem que deveria ser salvo, conhece uma mulher maluca pelas ruas do centro e têm a vida transformada porque ela sabe dizer a coisa certa. E na cama? Ela tem experiência, ela não nega nada, e ela quis cuidar de você.

Você disse que elas são um tesão. Você queria uma mulher de verdade. Uma mulher de verdade do tipo que te olha nos olhos e sorri, fuma um cigarro depois da transa e diz que você é bom demais nisso.

Mas não pra sempre.

Você quis a salvação, o caldo doce da fruta. Você quis dançar com elas nas festas, entrar no meio de seus beijos e talvez, até ler suas histórias, seus poemas, não toda a obra. Você quis a noite de bar, as qualidades que emanam dos poros, as primeiras boas impressões. Primeiras boas impressões, era isso que você queria, nada tão importante, mais como um prólogo de um livro bom pra caramba. Um livro denso pra caramba, longo. Se você ao menos puder catar tudo de bom que ela te oferecer nesse primeiro e único encontro…

Mas você adora mulheres loucas. Essa loucura sexy que te impulsiona a ser um homem melhor, um homem mais culto, mais experiente. Você curte essa selvageria que você nunca pôde domar, não que você tenha tentado e não que seja possível, talvez você não durasse duas semanas. Talvez seja muito para lidar, muito para entender. Você entendeu do jeito que quis: um tesão. Do mesmo jeito que você achou aquelas duas mulheres se beijando no meio da festa. A mulher que se senta com você no boteco e que vem para a sua casa, transar no primeiro encontro. Essas coisas modernas. Essas mulheres que parecem sair de um filme, sabe? Existe alguma coisa de força ou complexidade, algo que você não pôde tocar completamente e que te atraiu, mas você não soube o porquê.

Você disse que gostava de mulheres de verdade, mulheres livres…

Talvez não por muito tempo, só uma noite, a cada quinze semanas. Algumas horas, até a hora do metrô abrir, até a loucura continuar, até a droga continuar fazendo efeito, até que você goze. Até que não seja real demais, sincero demais, profundo demais.

Não que você separe mulheres para transar e casar, é só que você acha mais fácil manter o relacionamento com a sua namorada da adolescência, daquela cidadezinha do interior. É só mais fácil de entender. É mais tangível. Não existem tantas camadas e medos de dizer a coisa errada, de agir de forma equivocada. Você prefere que a mulher ao seu lado concorde com o que você diz, e como age. Você quer que ela te ache tão inteligente, talvez até saia com meninas mais novas. Não é melhor? quando te olham com esse vislumbre de admiração e quando elas pensam: “ele é tão interessante, e curte filmes cults como Clube da Luta e aqueles do Tarantino!”. Você não quer correr o risco de ser um babaca, é melhor não se aproximar demais, não conhecer demais, e só lavar os pés. Você ama, mulheres modernas, mas talvez não dê conta. Talvez não acompanhe o papo que segue com as transformações da noite, talvez o seu papo não dure tantas noites, não sobreviva ao boteco, e seus passos na pista de dança sejam ensaiados demais. Talvez elas notem, talvez olhem para a insegurança escondida embaixo da pele, o ego frágil que soa pelos poros, o sexo breve e triste. Quem sabe elas não estejam rindo de você? Melhor ficar seguro, nas bordas, onde a água toca só os joelhos, nada tão profundo, você quer ter o controle.

Parecia mais um personagem de um filme, né? Essas mulheres malucas, cheias de questões e opiniões, cuja beleza você não soube muito bem explicar, mas estava ali. Um filme cujo mocinha é transformado por essas mulheres. Excêntricas. Exóticas. Livres. Difíceis. Malucas.

Suas histórias tristes talvez não te interessem talvez sejam tristes demais, suas opiniões muito profundas ou talvez você apenas não consiga acompanhar. Você queria ser salvo, sem ter que investir muito, sem ter que doar muito, sem absorver demais. Quase uma terapeuta, quase uma messias. Você adora mulheres loucas, o conceito, a desenvoltura, a complexidade, mas jura sentir um alívio quando elas vão embora pela manhã.

Lembro que já estive aqui antes. Dancei por essas ruas, onde chão mais parecia um céu estrelado, cujas cores e o fedor misturavam-se de forma sinestésica. A música alta me embalava o corpo e me tirava pra dançar, e as máscaras e as bebidas, escondiam o outro, levando-nos em uma espécie de histeria coletiva, a mente em um vendaval.

Seguramos mãos estranhas e sorrimos por longas horas, até cair em braços suados, até que o céu fosse tomado por nuvens, e a chuva de verão dispersasse o bloco. A chuva rápida, que vem pra refrescar e lavar todo o glitter do corpo, borrando a maquiagem, um corpo se esfrega no outro e o calor não se dissipa, mas aumenta. Com sorte, olhos se cruzam, e tudo bem, só olhar para a superfície, estes nunca foram dias de profundidades. Desprenda-se disso, os lábios são macios, a música faz vibrar até o estômago.

O vento não tem poder aqui, enquanto um é quase o outro, e existe um alegria instantânea que não vêm da bala misturada da cerveja. Você se batiza em um mar de felicidade, e entra para uma religião temporária, estendendo as mãos para o céu de olhos fechados, a multidão canta em uníssono.

Eu dancei por essas ruas, a gente abriu o corpo querendo ser esponja e absorver tanta alegria, levar um pouco para a casa, espalhar na cama, feito o glitter que não sai da gente mesmo semanas depois a festa. Você me viu? Um cigarro na mão e uma lata de cerveja meio quente na outra, tentando fingir que eu sei sambar? Mas eu vi você, minhas coxas brilhavam de suor, seus olhos estavam vermelhos, da cor do glitter espalhado por meu colo. Não há nada de errado na falta de profundidade, a gente precisa respirar, meu bem. Tudo é tão sério e tão horrível, eu quero pisotear nesses medos, por entre os blocos do centro.

Não faz mal que chova um pouco, só um pouco, e que nossos lábios fiquem dormentes durante um beijo com o gosto da última bebida que você tomou. Você tentou, não tentou? Se batizar em mim, mergulhar no corpo, no suor salgado, na animação com data de validade? Mas andamos com o bloco e você me encochou no meio da avenida. Já anoitecia, e eu respirei fundo, olhando pra lua cheia no céu e depois olhei para o céu aos meus pés e senti sua respiração no meu pescoço, quase que tatuando seu dna em minha tez, e eu pensei que o tesão misturado com a alegria me fazia quase pegar fogo por dentro, não só entre as pernas, mas no corpo todo. Eu quis explodir feito fogos de artificio, feito as ondas sonoras que estrondavam da caixa do trio, feito o chão que eu senti vibrar.

Mas eu já estive aqui antes, tentei catar tudo que pude dessa alegria finita, e o fim brilhava no horizonte bem a frente, na próxima esquina onde a multidão seguia. O fim não estava próximo, mas eu já podia sentir seu gosto metálico na boca. Foi bom, não foi? Se iludir por um pequeno momento, pensar que a vida era isso: suor na testa, a música repetida em coro. Os quadris serpenteiam o ar pela avenida e os olhares se cruzam de maneira fugaz.

A íris brilha e você chamou isso de mágica, mas eu já tinha meus pés no chão. Meu bem, eu não consigo evitar de ser um pouco pessimista, mas eu estarei lá de novo. Pisoteando meus anseios e tentando matar alguma questão não resolvida aqui dentro, até que meus pés não aguentem mais. Eu vou sentir seu corpo contra o meu, suas mãos passearem por minhas curvas, como quem faz o trajeto de mais um bloco. Na curva do meu pescoço, há angústias espalhadas, que eu não consegui deixar em casa. Misturadas com glitter, sua língua molhada vem anunciando que tem gosto de carnaval.

Cai logo pra dentro. Levanto a cara e abro a boca, tentando engolir os pingos grossos da chuva. Me desespero um pouco, me vendo sozinha na rua vazia, as pessoas estão dentro de suas casas, esperando a tempestade passar. Eu não quero ter medo de me molhar, ou estragar minhas velhas botas e a maquiagem que agora está borrada.

Sinto que minha consolação é a coragem de ter tentado ainda que nunca de em nada ou que o esforço não pague no final, eu me vejo sozinha na chuva.

Cai logo pra dentro. Essa gana de sentir na pele, a intensidade de apenas querer estar viva, ainda que viver seja bem diferente de apenas existir. Meus olhos ardem com mais uma gota d’água que se mistura com o rímel e irrita minha retina. É tarde demais, eu já estou ensopada, tarde demais para se ponderar se eu deveria ter deixado o guarda-chuva em casa e a velha prudência entediante de antes. Tarde demais para me perguntar se eu deveria ter deixado encostar bem na carne, além da pele, onde mais arde, onde a água bate, e a ferida sente. Tarde demais para fingir que me arrependo.

Não quero me arrepender. Não quero caminhar na rua olhando para trás, me abraçando de frio, me sentindo uma criança boba, emocionada pelo primeiro banho de chuva. A água não faz milagres, a sujeira sempre acaba indo para outro lugar, escondida nos esgotos e empilhada nas poças que se formam no meio da rua. A água não faz milagres, mas eu ainda fecho os olhos, feliz por ter me deixado sentir algo ainda que a brisa gelada faça minha pele urrar em arrepios. Essa não é uma chuva de verão.

Cai logo pra dentro. Essa eterna desilusão com a realidade, nada saiu como eu esperava e eu encontro um conforto nisso, caminhando na rua, esperando que a enxurrada não me leve, mas eu não quero ir contra a corrente, não mais. A chuva é intensa, as árvores quase sucumbem ao vento, o barulho do vendaval chorando sussurros desconexos para mim, e eu apenas quero sorrir pra essa força. Me lembro de quando eu era criança, brincando no quintal de casa, achei graça enfiar minha perna num formigueiro, na pequena moita perto da porta da cozinha. Chorei quando as formigas subiram na perna, picando seu caminho acima, a gente faz essas coisas idiotas pra experimentar, pra sentir como é o barato; e minha mãe veio correndo me acudir, perguntando o motivo de eu ter feito isso. A gente não sabe o motivo pelo que faz nada, a gente só faz. A gente só vive porque quer sentir o que é estar vivo, cai pra dentro essa vontade de me arriscar novamente, por amor, por realização, para me colocar no mundo ainda que o vento abafe mais um grito que escorrega de minha garganta.

Não há pássaros na chuva, nem as pombas sujas da rua, nem os ratos que caminho pela sarjeta. Não há paz virando a esquina, eu não quero ter paz. Eu não quero a tristeza de ter paz, às custas do medo e da eterna pergunta do que seria. Cai logo pra dentro essa vontade de jogar nos braços do impossível ainda que eu dê de cara com o chão, do salto do precipício rumo às pedras na beira da praia. Vejo beleza na coragem da loucura, vejo beleza nas cicatrizes do meu corpo, no grito na hora da raiva, nas unhas cravadas nas costas da intensidade do gozo. Vejo beleza no desastre que se permitiu ser.

Cai logo pra dentro. Essa bagunça que eu sei que me tornei, minha personalidade forte, quase que insuportável, e as manias chatas, a sinceridade de cortar aquele ótimo e superficial clima. Cai logo pra dentro, na boca da alma, na garganta do estômago esse pingo de chuva gelada. Eu caminho no meio da rua, minhas ressalvas se desfazem, o açúcar que esconde o verdadeiro sabor das coisas, se desmancha na chuva. Não quero pensar duas vezes antes de dar o próximo passo, quero a coragem de ser quem eu sou, seja lá que porra isso signifique.

Você vem até mim com machucados profundos, enraizados e enroscados, cravados no fundo de sua mente, feridas infeccionadas da infância, uma fratura exposta do seu último relacionamento, um vírus de algum transtorno mental que você não conseguiu sanar. Você se deita ao meu lado, esperando cura, esperando uma epifania que transbordaria entre nossos corpos, pelo afeto, carinho ou cuidado.

Então eu passo minhas mãos por seu rosto, suas bochechas e maxilar, seus olhos carregados de dor, suas mãos calejadas pelo trabalho de ser quem é. Num momento de silêncio, me pego afogada em suas dores, mergulhada em um lago espesso e sujo, tentando procurar a raiz do problema. Eu quero te segurar as mãos e te levar para esse lugar que você pensou que eu vivesse, essa paz desconhecida por nós dois, essa terra livre de pesadelos e arrependimentos de mil vidas atrás.

Enquanto eu me olho no reflexo da taça de vinho em sua mão e me lembro que sou construída por experiências desagradáveis, e meu senso de liberdade, minhas qualidades e falhas em minha personalidade dispostas em um gigantesco mosaico, sempre prestes a desabar. Ora forte e cheia de rachaduras, roendo as unhas e chegando atrasada, fumando mais um cigarro e rindo na hora errada.

Você espera um quadro branco em mim, um livro a ser escrito e a coisa certa a ser dita. Alguém que endosse seus atos e te segure a mão. Alguém cuja pele é sempre macia e quente, cujas pernas enlaçam e te levam para outra realidade, onde seus problemas não mais te alcançam, onde o doce e o agradável te encontram a cada esquina. Onde o sexo e o orgasmo te livram de cada sentença. Mas eu não posso te salvar. Lembro de ter chorado na manhã passada, senti essa tristeza profunda, pensei nos meus problemas e eu juro que queria conversar. Mas minhas páginas não estão mais em branco, e meu cérebro pulsa em insegurança e dias ruins, das noites insones, e minha falta de direção, essa procrastinação crônica de deixar absolutamente tudo para depois. Ah, fosse eu essa estátua perfeita, mármore minuciosamente esculpido cujos detalhes perfeitos resistiram ao tempo e a chuva ácida e as garras dessa cidade.

Algo em mim também queria falar sobre as histórias de minhas cicatrizes.

Você toma seu café amargo, bola um cigarro lentamente e olha para o nada, emerso demais em seus próprios problemas, demais até para me notar, esterilizando as feridas, limpando o sangue do carpete que agora está estragado. Respiro fundo, tentando entender porque eu sempre acabo nessa posição: lavando os pés de um falso messias, limpando o sangue de um anti herói de si mesmo.

Mas eu digo isso, eu não posso te salvar. Uma vez arruinei meu próprio carpete, sozinha, fiz uma bagunça tentando costurar as feridas, tentando estancar o sangramento, eu chorei naquele sofá, arrumando minhas mazelas, em alguma outra péssima noite. Não, não que não existam coisas boas em mim também, eu só quero lembrar dessas rachaduras inevitáveis do tempo, esses buracos aqui e ali que arruinam a ideia de perfeição.

Em meus bolsos não há milagres, em meu sorriso, não há nada transcendental. Tropeço nas calçadas e cometo erros, passo da conta e digo a coisa errada. Talvez a coisa mais sincera, a pior verdade, o golpe final. Talvez você me julgaria cruel se me conhecesse de verdade, mas em meu colo não há nada que te cure do seu velho trauma de infância e dos erros que você insiste em cometer. Eu não posso te salvar enquanto vou improvisando pelos dias fazendo o melhor que eu posso e ainda sim me deitando em uma cama de ressentimentos, quase que reabrindo as feridas, antes de adormecer.

Mas eu juro, eu gostaria de ouvir você, talvez eu não teria o conselho certo, e o olhar cheio de doçura, meus lábios já não têm o gosto doce, nem meus olhos carregam aquele brilho romântico que você esperava desde a época da adolescência.

Você fuma um último cigarro antes de dormir, relembrando todas as coisas que poderia ter dito, as vezes que deveria ter ficado quieto e diz para si mesmo que não há mais jeito pra você. Depois, deita a cabeça em minha barriga como uma criança perdida esperando a aprovação dos pais, e um cafuné na cabeça, como um prêmio por apenas aguentar até aqui. Seus olhos se fecham e seu corpo se abre tentando absorver toda a doçura do momento, convertendo-a em energia apenas para aguentar o amanhã. Meu bem, eu não conseguiria te salvar…

Eu sinto o peso de seu corpo e o peso do momento, tentando lembrar que eu ainda existo no meio de tudo. Eu não conseguiria te salvar, nem me moldar atrás das cortinas, amputar meus defeitos e me livrar de todas as partes mais fodidas da minha personalidade que eu juro, eu odeio, mas não poderia viver sem apenas para dizer as palavras certas, a frase bonita, o gesto inspirador. A grande mulher atrás do grande homem. Eu não nasci para essa merda.

Você espera a mulher dos grandes romances, dos filmes do Oscar, aquela que vai arrancar a dor de você com as próprias mãos, a que vai te botar na linha e vai te fazer sentir pela primeira vez em anos o que você achou que significaria estar vivo. Mas eu não poderia te salvar… Enquanto perco a conta de meus defeitos, meus olhos passeiam pelo quarto me lembrando a mim mesma que eu não sou um altar. Meu corpo jamais foi um templo para que os pecadores pudessem aqui se ajoelhar e se aliviar da culpa.

Meu bem, quando a manhã chega e o Sol ilumina a realidade, as marcas na pele e os problemas que jamais foram embora, quando os sonhos evaporam e a claridade chega abrupta pela janela, despertando o sono e despachando o romance, as rezas acabam, os templos se fecham. Com alguma sorte, ainda estamos vivos. E a salvação é um conceito abstrato demais que queima junto do calor da manhã.

Não tenho medo de olhar nos olhos
um lapso de sinceridade;
uma fagulha honesta em um momento finito;
uma olhada nos olhos daquelas que
mastigam, famintas, a alma,
nem esconder meu rosto, 
honesto
da vulnerabilidade gozo.

Do prazer;
da dor;
da luta.
A essência que se constrói
destruindo-se todos os dias.
A pele que se encascora com o atrito,
a alma que se alivia com o grito,
e que audácia essa,
a de ousar a gritar.

Não tenho medo de olhar nos olhos
e de assumir o que acredito
nos tempos das mentiras soberanas
a verdade se esconde envergonhada
no fundo do poço,
enterrada em uma vala
depois de resistir dolorosamente
num porão, ao ser torturada.

Não quero ter medo de olhar nos olhos
ainda que sinceridades sejam subestimadas:
vão lhe chamar de mal amada
justamente, por se amar demais,
por aguentar nas barricadas.
Quando por ódio lhe tiram a vida
justificando o crime, dizendo que te amava.

Um corpo
não é só um corpo.
Um corpo, um sujeito.
Se você acreditar em alma
tem isso também.
Meu eu jamais indefeso.

Não tenho medo de olhar nos olhos
do algoz do outro lado 
quero me manter de pé cheia de raízes no chão, 
espalhadas por todos os lados, impossível de ser 
arrancada 
e, sempre de pé,
impossível de me apagar, 
você arrancará uma, e outra vem em meu lugar.

Quero meu cérebro pegando fogo,
olhando nos olhos, a sinceridade pulsante
batendo tão rápido feito o coração
bombeando a raiva, construindo a força.
Despida do medo, eu quero ser livre,
despida de todo o medo, vejo a coragem, crua
Banhando meu corpo, nas águas da resistência
de mãos dadas com a verdade, nua.

Me sentei, me sentindo estranha, em um canto da festa. Pensei que essas situações sociais não eram para mim. Eu me sentia ansiosa, batendo as unhas na borda da lata de cerveja quente. Me sentei, sentindo um peso nas costas, o odor do lugar me incomodava. Vislumbrei lembranças incômodas, embaladas pela música animada, o que fez tudo ficar bem pior, me vi então em um filme cult: luzes escuras, cores estranhas um misto de vermelho e roxo e verde, abraçados por uma neblina da fumaça dos tantos cigarros que ali queimavam.

Que me queimavam também.

Senti uma chama se acender em um pequeno canto do meu cérebro. Queimando tímida, irradiando seu pequeno calor e fervendo alguns neurônios cansados. Eu quis fugir da conversa, admito. Queria ficar quieta. Precisava de silêncio para pensar, mas então, tive medo de ir embora e me ver sozinha. Me ver sozinha e ver algo que eu não gostava em mim mesma. Guardei então, essas ânsias, bem dentro de minha traqueia, e as afoguei com mais um gole da cerveja, enterrando-as estômago abaixo, bem onde eu não poderia olhar.

Quis que meus órgãos fossem cúmplices de meu crime.

Esqueci que crise alguma vai embora numa festa.

Fechei os olhos e me balancei ao ritmo da música: para lá e pra cá, titubeando os dedos na lata de cerveja, balançando os pés. Minha mente se movia ao contrário, se rebelando contra a gravidade e indo para o lado oposto, contorcendo-se feito um peixe fora d’água, doido para respirar, vendo seus últimos minutos de vida, na tortura eterna do fim. A eternidade que dura alguns segundos. Mas eu queria sorrir, eu juro. Eu queria dançar e beijar, bem no meio da pista de dança, eu queria ser o próprio carnaval tamanha alegria, mas me sentia feito Quarta-Feira de Cinzas, a ressaca antes mesmo do primeiro gole de álcool.

Esses pensamentos não levam a nada. Para lá e pra cá, tentando entrar no clima, tentando fazer parte do ritual, da dança, do grupo. Tentando me enturmar, ainda que eu me sentisse em uma outra frequência, onde eu não pudesse ser ouvida. Uma outra realidade enxergada através de um vidro. Eu sou espectadora aqui.

Sinto a pele pulsar de agonia, esperando as horas se dobrarem e o dia amanhecer. Esperando que seja apenas a cerveja que não bateu bem, me debatendo junto com os ponteiros do relógio. Sentada em um canto da festa, observando as gargalhadas pairarem pelo ar, feito pássaros pousando nos fios do poste da rua, querendo tocar os próprios fios, e absorver a eletricidade de toda a empolgação.

Me vejo em outro mundo, eu sou de outro mundo: meu planeta está depois de Plutão, tão distante do Sol e do calor dessas coisas corriqueiras.

Acendo um cigarro para me distrair e a fumaça dele se enturma com a outra que já pairava ali. Me sinto invejosa, uma bolha de ressentimentos que eu só destinarei a mim mesma. Meus olhos se fecham, e eu vejo o nada, vejo tudo, vejo o que não queria lembrar, meus pensamentos me enganam, minha mente está tramando contra mim. É só uma bad, é mais que isso. Porra, você vai acabar explodindo assim, menina.

Vai com calma.

Segura a onda, eu lembro de um amigo dizendo. Segura a onda, a bad vai passar. Tudo passa, mas eu ainda penso no peixe se contorcendo fora d’água, pensando na eternidade finita do seu pequeno gigantesco tormento. Guardo certos pensamentos para mim, tento afogá-los de novo com cerveja, tento sufocá-los com o cigarro. Sinto meu corpo se retraindo contra si mesmo. As células de fora, as células da pele, agora querem voltar-se para dentro, escondidas, dentro da casca. Meu corpo é seu refúgio e eu sou aquela que fica para trás.

Penso em amores passados, penso em amizades perdidas, penso nas esperanças que morreram no caminho, padeceram de sede, enquanto eu cruzei esse deserto por anos. Penso nos mistérios dos céus, e do fundo do mar, no sal das lágrimas e do suor, me vejo mergulhando em mim. Embaladas agora por uma música meio agitada, aquele eletrônico triste, feito para agradar pessoas como eu.

Um cruzar de pernas e o olhar desinteressado, disfarçando certas tristezas com tédio, olhando a vida por esse espelho, esperando que os sentidos possam finalmente abraçá-la. Cruzando pela noite meu deserto, procurando o oásis de uma vida despreocupada, de uma noite tranquila. Penso que esperarei o próximo DJ para me levantar e sigo esperando, enquanto a vida passa.

Que eu consiga me perdoar, assim como perdoo os crimes daqueles que não me enxergaram ou respeitaram qualquer coisa que eu senti. Me perdoar completamente, como quando meu próprio amor por mim mesma não foi recíproco, um amor unilateral que não atravessou o reflexo do espelho. Que eu consiga me perdoar, pelo ódio que distribuí em mim mesma. 

Que eu consiga me amar. Essa é a parte mais difícil, me amar e respeitar meu tempo, meus limites. Não, não você não precisa de certas coisas para ser mais valiosa. Repetirei um mantra na frente do espelho do banheiro, embaçado pelo vapor de um banho quente, escaldante que leva embora todas as células mortas e as dúvidas sobre meu valor. Que grite em voz alta dentro do meu próprio cérebro quando eu me ver em uma situação de risco, quando alguém não parecer bom para mim. Nem toda forma de toque é afeto, nem todo mundo faz bem para você. Que eu me perdoe pelas vezes em coloquei meu corpo em risco ou vida em risco apenas para provar que eu podia sentir algo: 

Não é querer estar mais viva se te machucará mais tarde.

Que eu encascore a pele. Que eu tenha orgulho da mulher que eu sou, na frente dos amigos, de homens, da família e também… Na ausência de todos eles. Que eu entenda meu eu todo como uma beleza imperfeita, meu corpo como uma máquina e meu cérebro como um órgão que já mais foram vilões de nada, mas eternos amantes que estarão ao meu lado ainda que a solidão vocalize seu grito mais agudo. 

Que a crueldade do mundo não seja o reflexo para quem eu sou. Que a fragilidade com que me enxergam não impeça de meu emocional crescer forte e saudável, ainda que o mundo espere que eu falhe, ainda que eu falhe, ainda que tudo dê errado, eu espero essa sensação de satisfação percorra meu corpo como o próprio sangue nas veias, batizando cada artéria e abraçando, quente, meu coração no final. 

Que eu consiga me perdoar, e me desfazer da culpa como uma roupa velha, ainda que eu tente a acumulá-la em um cesto no canto da mente: está na hora de limpar a bagunça.

Que eu saiba que sou merecedora de amor, gentileza, respeito e dignidade e que não preciso implorar por nada disso. Que eu nunca me esqueça disso. 

Que eu ame meu corpo, mesmo se outros não amarem. Eles todos irão embora e no silêncio da noite, eu o abraçarei, quente, e ficaremos, sozinhos, envoltos apenas pela escuridão dos céus e uma faísca solitária de alguma estrela que mal consegue brilhar.

Que minha beleza inunde a casa, os recintos que eu entre porque eu não a quero conter dentro de mim. Que eu sempre lute pelo que eu acredito, mas que principalmente, eu acredite em mim mesma. 

Que a mulher que eu sou e que ainda ei de me transformar, não seja quebrada por aqueles cujos egos são frágeis. Que eu não me quebre por eles, ou por quem insiste em dizer que mereço menos seja lá o que for. Quero conservar esse sentimento bom de eterna cura, ainda que eu renasça incontáveis vezes e eu jamais me esqueça que resistir é viver em harmonia nesta pele, que é a vida que me veste.

Saí do metrô correndo, a chuva era torrencial e eu não possuía um guarda-chuva. Pensei em fumar um cigarro enquanto subia sentido a Consolação, mas ele molharia todo. Parei sob o toldo de um boteco podre, logo na esquina da Sete de Abril.

Me sentia um lixo, especialmente naquele dia, eu sentia que as coisas não estavam dando certo de forma alguma, sabe? Sempre me senti meio lixo, meio podre, mas naquele dia… Faltava cair aos pedaços de tão apodrecida por dentro. Como se as pessoas ao meu redor pudessem sentir, pudessem cheirar o cheiro putrefato vindo de minhas entranhas. Como se eu tivesse o toque de Midas ao contrário, transformasse em merda tudo que toco. E chovia, bem naquele dia. Eu não gosto de chuva, particularmente. Quer dizer, a chuva é importante, mas dias chuvosos apenas me dão a impressão de que lavarão toda essa máscara de tranquilidade que eu visto pela manhã. Essa roupagem de: tudo vai ficar bem, olhe pelo lado positivo. Eu até tento, mas no fim eu só finjo para as pessoas, quando eu já deixei de acreditar nisso há um tempo. Eu até dou conselhos para meus amigos: pense pelo lado positivo, querido. No fim das contas a merda emergirá à superfície, com seus raios de má noticias e seu cheiro característico.

Sabe, quando anoitece no centro, eu me sinto solitária. De leste a oeste consigo lembrar onde moram os homens que eu gostei e/ou transei; amigos que eu conversava e já não encontro mais. Sorrisos que eu dei e que já não brilham neste caos. Largo do Arouche, Praça Roosevelt, Cesário, Bar do China… Aquele Ben Hur do lado do Anhangabaú. Eu já estive com pessoas queridas nestes lugares, mas agora sozinha, sinto uma nostalgia danada. Eu sou das que enfiam significado em tudo, sinto demais até que o sentimento tome conta de meu próprio corpo. Até que eu própria suma e apenas o sentimento reste.

Acendi um cigarro, você sabe que fumar na umidade é um saco. Mas este é um vício que eu particularmente gosto. E não sinto vontade de largar. Droga alguma me tomou e me abraçou como  o cigarro, que me permitia expressar prazer, desconforto e distração. Então mesmo em uma chuva desgraçada como essas, eu fumo. Droga, não lembrei do guarda-chuva. São Paulo é bonita na chuva, porque a chuva esvazia os lugares, faz brilhar o asfalto, cai contra a luz do poste e o farol dos carros… Vendo isso, eu esboço um sorriso. Mas logo ele se dissipa, pois, por esvaziar lugares, faz eu me sentir meio solitária. Meio estranha. As pessoas estão em suas casas, com um nível de satisfação um pouquinho maior que o meu. A solidão cresce a ponto de ser maior que eu própria, a sensação de que a vida de todos segue, é tão forte que eu mal posso evita-la, embora eu saiba que é mentira.

Debaixo daquele toldo, eu vejo pessoas indo e vindo. Será que elas conseguem sentir essa tristeza vindo de mim? Será que elas me acham perdida? Uma mulher chama a minha atenção com seu guarda-chuva amarelo. Ela me olha e sorri, me parece alegre e simpática, e eu a invejo. Ela é bonita, tranquila, em meia a chuva. Daquele tipo de felicidade onde se é capaz de sorrir para estranhos… Eu gosto de gente feliz, que esbanja alegria em locais públicos, privadamente, tantas emoções assim, esmagam a gente por dentro. Eu juro, dia desses eu ainda vou ter coragem de sorrir e chorar em público.

Meu cigarro ainda duraria por mais duas ou três tragadas. Gostaria de evaporar junto à fumaça. Mas meus pensamentos me queimam como sua brasa, e eu permaneço largada, como a própria bituca, que jogo no chão e corro em meio a chuva.

Esses devaneios não me levam a nada.

Rezo ao tempo, deus soberano que nos lembra que o fim
é o único vislumbre que teremos da eternidade.
Rezo ao ano que passou, mas que jamais morrerá na memória
daqueles cuja pele encascorou pelo atrito.
E as bombas de gás lacrimogêneo.
Sinto a alma amargurada, não por mim,
mas a chaga coletiva que cresce embora
saibamos que o tempo nunca volta atrás.
E disseram que agora voltamos para décadas passadas…
O tempo aparece para revelar uma cruel verdade:
a história é cíclica, mas ele seguirá em frente,
nos arrastando junto com o passar das horas, e dos dias…
Nos afastando cada vez mais do ano que passou
ainda que o som do metal de suas correntes
ecoem pelos ares e então, verdade seja dita:
não é aqui que morre 2018.
Tatuado em nossa pele como uma dor coletiva,
e que vontade de chorar!
Caminharei pelos espaços no assombro de que não estamos seguros.
Abraçarei meus amigos e prometo não paralisar em nome da injustiça.
Rezo ao tempo, deus inconsciente de si mesmo
que apenas nos tira e nos toma.
Onde a morte, ironicamente, simboliza o pequeno precioso presente
que temos.
Mas a morte está mais próxima de uns que de outros,
os rodeando como a brisa gélida
de um inverno inevitável,
soprando em nossos corpos trêmulos os fantasmas do passado.
A morte que visita a quem luta pelo que acredita.
Então o tempo, em mais um truque,
nos crava na memória aqueles cujos nomes
não podemos nos dar o luxo de esquecer:
Marielle morreu pelo que acreditava;
Bolsonaro, pelo ódio, subiu ao poder.
Soberano tempo,
que não se divide pela volta que a Terra faz em torno do Sol,
a vida é a mesma, as dores também,
se a chaga dói mais em alguns,
quero nunca conseguir virar a cara,
ainda que a ignorância me pareça menos dolorosa
e hoje, eu duvide que seja uma benção,
quando a dor de alguns, é uma ferida toda nossa.
2018 que, eu gostaria de deixar numa vala,
sussurrará os nomes daqueles mortos pela polícia,
e de quem foi assassinado na Paulista,
segurando a mão do homem que amava.
Poderoso tempo, aqui estamos a sua mercê,
o passar das horas, e a permanência das opressões
quando a História permanece a mesma
o que você poderia fazer?
Rezo ao tempo que nos dê força
para olhar para o trás e se inspirar
em quem lutou por um tempo melhor,
em quem amou tanto que precisou ter ódio,
em quem resiste por ser quem é.
Onde o tempo nada apaga, mas segue.
e na rua gritaremos seus nomes, nos livros leremos suas histórias
e não arredaremos os pés dos espaços!
2018 agora abraça outros anos
esperando jamais ser esquecido, mas lembrado
sussurra baixo, inaudível ao som da música,
das bombas, e da porra do Hino Nacional
sussurra até entre os discursos dos fascistas
entre Mourões, Dórias e Bolsonaros
o que o tempo nunca nos fará esquecer, sussurra delicado:
porque a luta se faz presente quando na memória há o passado.

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