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Uma carta para a garota que um dia eu já fui

Cara eu do passado,

Eu sou a pessoa que você vai ser no futuro. Eu senti necessidade de escrever isso para você porque… bem, eu te conheço melhor do que qualquer outra pessoa.

Eu sei o quanto você se culpa e se odeia por cada erro que você comete, independente do tamanho do seu erro. Eu sei que você se cobra mais do que deveria, que você se esforça para que a perfeição seja uma meta alcançável e que acha erros coisas inadimissíveis. Você carrega um peso enorme que você mesma colocou em si. Você se esforça e se cobra e, a cada coisa que você não consegue fazer do jeito que você quer, você se coloca uma culpa desproporcional e esmagadora.

E eu queria te dizer que eu te perdôo por cada erro que você já cometeu.

Cada coisa que você errou, e pelo que se culpou, se irritou, se chateou, aceitou as consequências porque achou que merecia tudo isso e ainda mais… Eu te perdôo por tudo que já aconteceu.

Eu não te culpo por absolutamente nada. Nada do que você fez ou deixou de fazer. Eu tenho paz em relação a isso. Eu queria que você soubesse que está tudo bem.

Não adianta eu continuar me culpando por coisas que já aconteceram porque eu não sou mais a pessoa que você é aí, no passado. A cada erro que cometemos, nós aprendemos e crescemos. Nós sempre melhoramos como pessoa. É muito fácil eu, agora, falar que teria feito as coisas diferentes, sendo que eu já passei por essa situação e já aprendi com ela.

Eu estou em constante mudança, e o jeito que eu já reagi a uma situação passada provavelmente não é o jeito que eu reagiria se a mesma situação acontecesse agora. Eu não sou nem a mesma pessoa que eu era há um minuto atrás. Sendo assim, como posso ficar me culpando pelo passado sendo que nós nem somos mais a mesma pessoa? Eu não sou mais a pessoa que cometeu o erro.

Eu gosto muito de brincar e falar que a eu do passado falhou em certas coisas, mas não leve para o pessoal. Te garanto que é apenas uma brincadeira para eu conseguir lidar com certas situações no momento. Te garanto que nunca guardo rancor por muito tempo.

Eu sei que nada nunca parece bom o suficiente, mas eu também sei o quanto você está se esforçando. Eu tenho muito orgulho de você, e digo isso da maneira mais honesta e pura possivel, do fundo do meu coração.

Não se esqueça: tudo sempre dá certo no final. Apenas continue dando o seu máximo e saiba que isso é mais do que o suficiente.


Com amor e carinho,

A sua eu do futuro


~Misty

Explosão

Pessoas falam que sentimentos acumulados podem explodir.

E o que você faz quando você acumula sentimentos em um ponto que mesmo após você tentar resolvê-los conversando com o problema, você ainda sente que a carga não saiu de você? Ou pior, quando você sente que a carga apenas aumentou?

Às vezes, a explosão não é algo ruim. Às vezes, a explosão é apenas o que eu preciso para dizimar esse sentimento de uma vez por todas.

Localize a fonte do seu sentimento. Veja ela entrar em combustão. Exploda. Destrua. Dizime. Elimina. Faça com que não exista mais em um lugar que você possa ver. Apague completamente da existência. Nunca mais permita que ele te influencie em qualquer jeito que minimamente te afete.

O reduza a nada.

E, após você explodir e acabar por inteiro com o seu problema, sinta o calor esquentar sua pele.

É reconfortante, não é?

~Misty

Incômodo


Hoje, acordei me sentindo um pouco estranha.

Eu sentia uma sensação de profundo incômodo e irritação. É algo que não tem um motivo exato para estar acontecendo, mas está lá. É um leve aperto no peito que não é forte o suficiente para ser uma dor, mas é forte o suficiente para se mostrar presente. É uma sensação de que algo está errado mesmo que você saiba que não há nada errado. É uma leve cutucada na sua mente sem que você possa evitá-la. É não se sentir confortável nem quando você está fazendo algo que você gosta, como assistir séries, ou ler um livro, ou caminhar. É você sentir um leve peso sobre você até quando está tentando relaxar.

Uma mistura de sentimentos rodopia nos meus pensamentos. O incômodo torna tudo mais intenso do que seria normalmente. A tristeza faz tudo parecer mais tedioso e maçante. A insegurança diz que todos me odeiam. A irritação diz que tudo bem se eles me odiarem, não é como se eu devesse me importar.

Por certos momentos de hoje, fiquei com raiva do calor que tentava me esquentar. Fiquei com raiva das pessoas que eu via pela janela do meu quarto andando na rua, por elas estarem rindo e conversando e parecendo bem. Mas, principalmente, eu tive raiva do mundo, por continuar girando e se movendo, sem me dar tempo para eu resolver o meu incômodo antes de seguir em frente.

Meu incômodo apenas deu uma aliviada quando eu vi que o céu não estava azul. O céu estava completamente tomado de nuvens. Tudo acima de mim era um manto cinza claro homogêneo. Tudo parece igualmente iluminado, mas sem nenhuma evidência de que o sol está lá em cima.

Abri a janela e o ar fresco balançou meus cabelos. Eu fechei os olhos e respirei fundo, deixando a brisa me envolver e causar arrepios nos meus braços.

A brisa fresca levantou o peso sobre o meu peito e o céu acinzentado limpou a minha mente. Pequenas coisas que tornaram o meu dia de hoje mais suportável.

Talvez meu humor sofra uma mudança brusca e tudo pareça mais lindo daqui a cinco minutos. Talvez meu dia não fique melhor do que isso. Não é como se estivesse completamente sob o meu controle.

De qualquer jeito, não me importo em ter alguns dias assim, desde que não sejam a maioria.

Eu abro as portas do meu quarto para esse incômodo, e digo para ele se sentar enquanto eu preparo um chá para nós dois. Eu converso com o meu incômodo para tentar descobrir sua fonte.

Quando há uma fonte, nós resolvemos o problema juntos.

Quando não há uma fonte, como hoje, eu apenas concordo com a cabeça em compreensão. Aperto levemente seu braço de maneira reconfortante e dou um pequeno sorriso. Está tudo bem. Nós vamos ficar bem.

Continuamos tomando nosso chá em silêncio.



~Misty

Viva

Tem momentos que o mundo parece ser… muito. Muito intenso, pesado, te puxando para baixo.

As pessoas falam sobre viver, e não apenas existir. Mas, às vezes, não é uma questão de existir. Às vezes, eu sinto que já estou morta.

É por isso que eu preciso de coisas que me provem o contrário.

Eu preciso de conversas até tarde da noite, de rolês na Paulista de madrugada e andar de skate na ciclovia mesmo sem saber andar de skate direito. Eu preciso de corridas no parque até meus pulmões pegarem fogo, beber até sentir a cabeça latejando a ponto de quase explodir, atravessar a rua mais perto dos carros do que eu deveria…

Eupreciso disso. Preciso dessas provas.

Qualquer coisa para eu me sentir viva.


~Misty

Ah, o amor

Eu não escolhi me apaixonar. Inclusive, eu estava exatamente fugindo do amor quando você me encontrou.

Nossa conexão foi imediata. Em poucos dias, parecia que nós éramos íntimos havia anos. Nossas almas estavam entrelaçadas de um jeito que as forças do universo nunca poderiam explicar.

Eu olhei para os seus olhos e eu quis saber o que fazia eles brilharem. Não demorou muito até eu descobrir algumas coisas.

As coisas que faziam seus olhos brilharem eram muitas e isso era incrível! Você se entrega tanto para as coisas nas quais é apaixonado. Seus olhos brilham quando conversamos sobre o universo e sua imensidão, quando nós rimos, quando dançamos, quando ficamos acordados até de madrugada… quando você simplesmente olha para mim. Eu percebi que eu faço seus olhos brilharem, e tudo que eu pensei naquele momento foi “não, não, não, eu não concordei com isso!”

Eu me recusei a aceitar o óbvio, e menti para mim até acreditar que todos os seus amigos faziam seus olhos brilharem daquele jeito. Mas é claro, não há como eu ser especial nesse ponto - não para você, nem para ninguém no momento. Simplesmente, não.

E o tempo passou.

Algo me puxava para você, algo que eu decidi que era uma forte ligação de amizade, um amor completamente e estritamente platônico. Ah, e como isso acalmava minha alma. Nos aproximamos cada vez mais e tudo ia perfeitamente bem. Quer dizer, até que não mais.

Eu sempre tentei manter um certo limite entre o que poderia acontecer entre nós. E o que eu faço com esse limite quando eu olho para ele e só quero que ele desapareça?

O que eu faço quando minha mente vaga sozinha e eu começo a imaginar o jeito que você deve beijar alguém? Quando eu imagino que os lábios que você beija poderiam ser os meus? O que eu faço quando sinto esse embrulho horrível no estômago quando ouço você falar o nome de outra pessoa? E quando eu sei que eu provavelmente não sou uma opção para você por culpa minha, pelos limites que eu impus?

Eu lutei tanto para afastar o amor de mim. Eu não queria amor. Eu queria paz.

Mas, agora, parece que a única paz que eu posso ter é perto de você.

O que eu faço?


~Misty

Apoio

Ser o centro de apoio de alguém é um trabalho pesado.

É algo extremamente bonito você estar presente e se oferecer para ajudar seus amigos quando eles precisam, e é algo que todos procuram em uma amizade verdadeira: alguém para estar lá nos bons e nos maus momentos. Porém, isso muda quando você é o único apoio de alguém que você sabe que precisa de mais do que isso, que precisa de apoio profissional.

Como eu posso te ajudar sabendo que eu sou a única a te ajudar e sabendo que a minha ajuda nunca será o suficiente para você melhorar de verdade? Como eu posso te observar se autodestruir à distância sem poder fazer algo significativo para acabar com isso?

Eu grito, mas você está tão longe que meus gritos chegam a você quase igual a sussurros indistintos. São palavras que saem de mim com força e empatia e desespero, mas você não as assimila. É quase como nada.

Como posso tentar ser seu apoio sem eu conseguir ter uma base firme? Eu não tenho o preparo teórico para isso. Eu não tenho preparo psicológico. Não tenho e não deveria precisar ter na minha idade e na minha situação. Não deveria ser necessário.

E, com isso, eu sou tomada pelo desespero para fazer ações que não se cabem a mim fazer e sem o efeito que eu gostaria que elas tivessem. Você se afunda e eu também.

Como eu posso te impedir de se afogar sem que eu me afogue junto?


~Misty

O Passear das Chamas

A cidade estava sendo consumida por chamas. O fogo se espalhava rapidamente pela cidade inteira, tomando cada espaço possível.

Ninguém viu o incêndio começar.

Passava um pouco da uma hora da manhã quando começou. Todos estavam dormindo e a cidade estava em silêncio. Até o primeiro grito, é claro. Mas, quando eles ouviram o primeiro grito, já era tarde demais. O fogo já consumia um quarteirão do centro da cidade e avançava vorazmente. As chances de apagar o incêndio eram poucas.

Desesperados, os moradores tentaram escapar - em vão. Outro incêndio muito maior cercava a cidade completamente, como uma grossa faixa de segurança para manter todos do lado de dentro. E o fogo avançava cada vez mais na direção do centro. O quarteirão em chamas no centro da cidade era apenas uma prévia do verdadeiro show.

As chamas consumiram rapidamente cada casa, prédio, loja, biblioteca - simplesmente tudo -, como um animal faminto, sempre querendo mais e mais. Vários já estavam mortos - mortos pelo fogo, por asfixia ou pelo próprio desespero. Os que ainda estavam vivos gritavam em agonia, sabendo que todos teriam o mesmo destino entre as chamas. Mas não podiam fazer nada para mudar isso. Tudo o que eles podiam fazer era lutar por alguns segundos a mais e ver sua vida ser destruída lentamente, assim como a de todos ao seu redor.

Era meio da madrugada. A fumaça do fogo impossibilitava a vista das estrelas e da lua no céu. A leve brisa que espalhava o calor fazia parecer que estava chovendo cinzas. As cinzas do que um dia foi uma cidade pacífica. Os gritos de dor e desespero eram ouvidos a quilômetros de distância, mostrando a agonia daqueles que ainda estavam lutando para sobreviver.

No centro da cidade, sobre o prédio mais alto, uma garota observava a cena. O fogo era refletido em seus olhos castanho-avermelhados. As cinzas caíam sobre ela, enfeitando seu cabelo como se fossem flocos de uma neve mórbida. A brisa fazia seu vestido vermelho esvoaçar, como se ela mesma também estivesse em chamas. Os gritos desesperados penetravam em seus ouvidos. O calor aquecia sua pele clara. E ela sorria.

A garota cantarolava uma música para si mesma enquanto observava o caos e o desespero. O meio sorriso de satisfação e orgulho de sua obra nunca saía de seu rosto. As chamas começaram a consumir cada vez mais o prédio no qual ela estava e ela percebeu que era hora de descer.

Ela foi até a borda do prédio e olhou para baixo. Era uma queda alta de, aproximadamente, vinte e cinco andares, e o chão estava em chamas. Mas ela não se importou com esses detalhes. Ela se virou de costas e se inclinou para trás até perder o equilíbrio. Em alguns segundos, já estava em queda livre, seu corpo em paralelo com o chão, se aproximando cada vez mais deste. Ela encarou o céu enquanto caía e imaginou as estrelas que se escondiam em cima da fumaça do incêndio.

Quando estava a poucos metros do chão, um vento soprou forte em sua direção vindo de baixo para cima. Foi como se o vento a estivesse segurando e diminuindo sua velocidade. Quando ela chegou ao chão, ela o tocou com seus pés delicadamente.

Ela começou a andar para a frente, ignorando os pedidos de ajuda e os gritos. Ela desviava de automóveis, prédios e postes pegando fogo.

As chamas não a queimavam. Pelo contrário. As chamas traziam uma sensação de segurança para ela. As chamas a protegiam, nunca a machucavam. Então, ela continuou andando até que ouviu uma voz a alguns metros de distância.

-Você demorou.

Um caminho se abriu no meio do fogo. O caminho ia da garota até um garoto de cabelos castanho-escuros e olhos negros. Suas roupas pretas estavam cobertas de cinzas, assim como seu cabelo, e ele dava um meio sorriso para a garota. Ela sorriu de volta.

-Estava apreciando a vista.

Ela explicou. O garoto sorriu mais enquanto se aproximava dela. Conforme ele andava, as chamas cobriam o caminho atrás dele, até que havia apenas cerca de dois metros quadrados sem fogo - o lugar onde os dois estavam. Ele estendeu a mão para a garota e perguntou:

-Você gostaria de dançar nas chamas?

Ela sorriu mais.

-Não foi para isso que nós viemos?

Ela respondeu enquanto colocava sua mão sobre a dele. E eles dançaram no meio das chamas e da ruína da cidade, no meio de uma chuva de cinzas em uma noite sem estrelas no céu. Eles dançaram em meio ao desespero e ao caos como se eles mesmos fossem parte do caos e do desespero. Eles simplesmente dançaram.

Escrito por Misty 

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