#texto curto

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Música recomendada: Hypnosis - Benjamin Martins ( https://www.youtube.com/watch?v=7fxiV43psgI )




A mentira mais bem contada para nós, peregrinos, é a de que você eventualmente se acostuma com a solidão. Mas como é possível me acostumar com esse aperto no peito, com essa certeza de que nada nessa vida é eterno, nem a grama em que caminho, nem as pessoas que passam por mim, apenas a minha jornada e essa impiedosa solidão?

Eu fecho meus olhos e vejo minha vida como se fosse um livro. Eu leio meus capítulos e revivo cada momento em que passei com meus amados, do amor e do carinho que recebi deles aos dias em que chegava em casa e abraçava o meu radiante jardim de girassóis. Quando você se dá conta da sua solidão, isso te faz querer desistir de tudo, te faz querer voltar para sua casa, para seus amigos, para sua família… Só nem sempre isso possível. Com cuidado, eu fecho meu livro e o aperto contra o meu peito em um abraço de pura ternura e saudade.

Quando a dor da solidão não me permite dormir, eu tento olhar para as estrelas em busca de paz. O céu noturno me trás lembranças, lembranças de quando eu ainda contava os infinitos pontos brilhantes acima de mim em vez de prestar atenção nos espaços vazios entre eles. Cansado de segurar minhas lágrimas, eu permito que elas desçam pelo meu rosto na esperança de que esses brilhos estelares me emprestem um pouco da sua luz para acalentar o meu vazio.

Eu olho para as estrelas na esperança de que eu não seja o único sofrendo na quietude da noite.


The Everlasting Pilgrim


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Olhos castanhos


Já é tarde da madrugada, o dia está quase amanhecendo e nós dois ainda estamos acordados.

Sentados um de frente para o outro, conversamos sobre tudo o que se possa imaginar. De discussões sobre a vida e o destino até alguns fatos curiosos sobre nós mesmos, tudo é muito fácil de se falar e de se escutar. Eu fico feliz todas as vezes em que compartilho algum pensamento íntimo sobre a vida, você sempre me responde com um sorriso, tão simples e tão carinhoso. Seus olhos sempre brilham quando isso acontece, e eu adoro poder ver isso de perto.

Eu me distraio enquanto você fala, algo no seu olhar me prende a atenção. Acabo ficando em silêncio por alguns segundos, observando, ou melhor, admirando o que vejo. É como se houvesse um mundo inteiro lá dentro, um mundo repleto de mistérios e de magia que só pode ser visto quando ele quiser que você o veja.

Você sorri, possivelmente curiosa do motivo de eu estar te encarando tanto, e decide fazer o mesmo comigo. Nossos olhares se conectam e, como num passe de mágica, tudo em volta de nós deixa de ter importância. Tudo o que existe agora é o seu universo castanho.

Você aproxima o seu rosto ao meu, talvez até sem perceber, e um calor muito aconchegante inunda o meu peito. Passamos mais alguns segundos no completo silêncio, admirando o mundo um do outro.

Eu sinto meu rosto avermelhado e meu coração pulsando rápido. Com vergonha, eu me viro e dou uma risada sem graça. Você faz o mesmo. Eu tento disfarçar como estou, mas minha respiração está engraçada e minhas mãos estão tremendo. Minha voz falha quando tento dizer algo e é difícil me concentrar na nossa conversa.

Eu só consigo pensar em como eu gostaria de me perder nos seus olhos castanhos.


OrenZ

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Hoje eu queria escrever sobre o amor, mas eu não quero ter que escrever sobre você. Eu não quero ter que lembrar das nossas risadas, nem dos nossos beijos, nem dos nossos olhares apaixonados. Eu não quero me lembrar das nossas promessas, das nossas viagens ou de nossos planos para o futuro. Eu não quero, pois eu não vou suportar esse gosto amargo dessa nossa última conversa ser mais forte do que toda a nossa história.

Hoje eu queria escrever sobre o amor.

Mas eu não consigo.


OrenZ

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Música recomendada: https://www.youtube.com/watch?v=_Spw1jQV4qI


Um vento gentil assopra enquanto as últimas folhas de outono caem. Uma a uma, as milhões de folhas secas preenchem o solo, cobrindo toda a extensão da floresta com várias camadas de folhas, acolchoando as pisadas cansadas de meus pés. Eu tiro alguns segundos para respirar mas um choro inevitável me impede de sentir o frescor da mata.

Eu olhei para dentro da floresta e o que vi foi um reflexo de mim: árvores secas, galhos sem folhas, uma floresta preenchida pelo vazio. Uma melancolia suavemente agressiva impregna meus pensamentos, fazendo vultos do meu passado se manifestarem em minha mente, mais numerosos a cada folha que se desprende de sua origem. Uma solidão implacável me atinge, pois me lembra como esse sentimento incurável é o meu pior e mais eterno companheiro de jornada.

Em meio ao transe imobilizante, forças invisíveis me puxam e empurram para dentro da floresta. É escuro, é excessivamente escuro. Esse lugar não respeita as regras do nascer ou do despontar do Sol, pois o vazio acumulado nas árvores impede que qualquer luz de fora entre. O silêncio também é absoluto e um frio sinistro corre na minha espinha, agora que não tenho mais distrações do som ou da visão, os vultos das minhas memórias estão vivos como nunca.

Eu tento achar uma saída deste labirinto sombrio mas é impossível, algo me puxa incessantemente para o interior mais profundo daqui. Minha respiração está curta e meu peito dói, minha mente só se preenche de culpa. Contornos surgem das sombras e caminham em minha direção e logo reconheço quem são: são pessoas, todos aqueles que um dia eu já feri. Seus rostos tristes nada dizem, seus olhos vazios nada fazem, apenas me observam e param ao se aproximar. Alguns deles ainda choram, são meus velhos amigos, meus antigos amores, minha família. Eu tento balbuciar palavras de perdão e arrependimento mas é impossível, é impossível corrigir o passado.

Tremendo e sem forças para ficar em pé, meus joelhos desabam ao chão. Nesse momento uma única figura se forma à minha frente, mais melancólica que todos, mais machucada que todos os outros. Eu ainda sinto seu coração batendo, pulsando, tentando seguir em frente, mas seu choro forte evidencia toda a sua mágoa de nossos sonhos incompletos e despedaçados. Seus olhos cinzentos e cheios de lágrimas me lembram de uma das piores verdades da vida: reconhecer que amar também significa partir.

Mais imagens aparecem das sombras, dessa vez todas ao seu lado. São nossos amigos, que me observam decepcionados. São seus amigos, que me encaram indignados numa mistura de nojo e ódio. Eu desvio meu olhar para o chão, mas um deles, uma mulher, avança e me agarra pelo pescoço, ela quer que eu veja o sofrimento que causei à essas pessoas, ela quer que eu saiba o ódio que eles sentem por mim. Eu desvio o olhar mais uma vez, envergonhado e culpado, e nesse momento ela usa toda sua força para me levantar e me derrubar de costas para o chão. O impacto me faz perder todo o ar em meus pulmões. Agora com as duas mãos no meu pescoço, ela me estrangula com uma força que só pode ser comparada ao seu ódio por mim.

Deitado sobre o leito de folhas secas, vejo meus fantasmas formarem um círculo ao meu redor. Seus olhos continuam fixados aos meus. Meu corpo não tem forças para reagir, meus espírito não possui mais determinação para isso. Logo acima de mim, me encarando com os olhos mais tristes de todos, com o coração mais frustrado de todos, lá está ela. Tudo o que consigo fazer é sentir culpa. Um último som surdo escapa de minha boca, um singelo, quase inaudível, “me desculpe”.

Minha consciência apaga.



OrenZ, the Pilgrim


Poucos dias se passaram desde que deixei o conforto da cidade e de meus amigos. Como uma chuva de verão que vem e vai sem aviso, fui embora sem antes me despedir. Amigos, colegas, amores, tudo está para trás agora. Você deve estar pensando que eu sou um babaca, que não me importo com os sentimentos dos outros, talvez até que sinto prazer com isso. Mas não.

Faz pouco mais de uma semana desde que saí e sinto como se a saudade fosse esmagar meu peito, cedo ou tarde. A melancolia que sinto durante o dia não é nada comparada com a solidão da noite. Sobreviver é a única coisa que me mantém são nessas horas.

Às vezes eu olho para os céus e me pergunto por quê. Me pergunto se existe um motivo para fazer o que estou fazendo, se esse sofrimento é realmente necessário. Fecho meus olhos para as estrelas, tentando sentir uma resposta do universo, uma vibração, um som, um mínimo de vento no rosto que me diria “sim” ou “não”, literalmente qualquer coisa. Mas tudo o que sinto é ansiedade e medo de ter feito a coisa errada.

Desde que comecei a entender minha jornada nessa vida, muita coisa mudou dentro de mim. Quando você muda, você incomoda. Seus familiares brigam e te questionam o que está acontecendo, mas você não sabe dizer pois você não se sente estranho. Seus amigos te julgam e te excluem, te tratando com completa indiferença e desdém, mas você não entende o por quê. Seu amor te estranha e se afasta, até que um dia, com o olhar carregado da maior tristeza do mundo, te diz “eu já não te conheço mais”, e seu mundo desmorona.

Nessa hora, todas as boas lembranças que você tem dessas pessoas, todos os momentos divertidos que vocês passaram juntos, tudo se torna dor. Lembrar torna-se apenas mais um sofrimento, uma nova pergunta autodestrutiva para a lista já nada gentil. Enquanto o tempo passa, toda a parte boa é lentamente corrompida pela ínfima, porém intensa, parte ruim do final, até que não sobra nada. Não há mais boas lembranças dessas pessoas que você amou.

Minha jornada ainda é longa e por isso devo partir agora, enquanto nossas lembranças uns dos outros ainda são calorosas e valiosas. Talvez eu seja egoísta em querer ter só boas lembranças de vocês comigo, mas não posso deixar que o ciclo se repita. Deixo com vocês um grande pedaço de mim e levo comigo um pedaço de cada um de vocês. Busco por algo que ainda não compreendo, um propósito que desconheço, e que só eu saberei o que é quando encontrar. Mas saibam que as lembranças que levo de vocês servirão como lamparinas que iluminarão o meu caminho escuro. Isso não é um adeus, apenas um até logo, até que nossos destinos decidam se encontrar mais uma vez.

Pois essa é a minha jornada. Essa é a minha eterna peregrinação.



The Everlasting Pilgrim
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Cartas para mim: Nosso Último Beijo


Já passava das duas da madrugada. Eu deveria estar indo para casa e você, assistindo séries em seu quarto, mas estamos aqui, sentados um de frente para o outro, dançando com nossas mãos enquanto ouvimos “Can I Call You Tonight?”. Sua expressão de ternura enquanto eu acaricio o seu rosto é tudo o que eu preciso para me sentir em paz. Seus dedos deslizam pelo meu rosto, nossos lábios se aproximam, e eu sussurro para você: “Um último beijo antes de tudo acabar”.

Tudo na vida tem um fim, alguns são inesperados, outros, premeditados. Alguns fins parecem nunca acabar, mas outros têm começo, meio e, quem diria, um fim. Você me ensinou que alguns fins podem ter sabor de um café fresquinho, com direito a chantilly e raspas de chocolate, ou então de um matchá bem quente na sua caneca favorita enquanto você lê um bom livro e escuta o barulho da chuva para te acalmar. E sabemos bem que, de tudo o que aconteceu em uma história, são sempre dos fins que nós mais nos lembramos.

Sabe, desde a primeira vez que nos beijamos, eu sempre soube que essa seria uma história com começo, meio e fim. Eu não queria aceitar isso, de jeito algum. Você é minha melhor amiga, minha companheira mais incrível, aquela pessoa que basta um simples “oi” para o meu dia ficar magicamente melhor. Eu tentei burlar esse fim, mesmo sabendo que ele era inevitável, porque o futuro com você parecia perfeito. Mas então eu entendi.

Você se lembra de quando conversamos indignados sobre como algumas de nossas obras favoritas deveriam ter acabado mais cedo? De como estenderem por mais uma ou duas temporadas foi uma decisão horrível e estragou todo aquele sentimento único que tínhamos por elas? Falamos por horas sobre o que faríamos de diferente e sobre como jamais deixaríamos isso acontecer com nossas próprias histórias. Bom… chegou a hora.

Uma última música toca no som do meu carro, nós nos olhamos e assentimos com a cabeça: uma última volta de carro pela madrugada. As ruas estão vazias, tudo está iluminado e em câmera lenta. É como se a cidade tivesse preparado esse momento só para nós, para a nossa última dança. Seus cabelos balançam com a brisa que entra pela janela, nossas mãos flutuam através do ar da noite. A música está acabando e nossos dedos se entrelaçam, numa última tentativa de agarrar esse momento e lavá-lo conosco. Na minha cabeça, um único pensamento: como é bom estar vivo com você.

Eu acredito que o maior presente que o universo pode nos dar é a chance de nos sentirmos infinitos diante momentos verdadeiramente especiais. Tudo na vida tem um fim, mas você me mostrou que nem todos os finais precisam ser ruins. E que alguns finais são só outros começos.

E nesse romance adolescente entre uma Rainha e um Coração Valente, esse é o final que eu escolhi.

Para sempre ser o seu Coração Valente.



OrenZ

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Estadia


Saiba dizer “Oi” para o Amor quando ele chegar. Receba-o bem, aproveite a sua estadia, mas não espere que ele fique.

E se o dia chegar, saiba dizer “Tchau” para o Amor. Deixe-o ir. Não espere que retorne.

Logo, um novo Amor chegará. E quando acontecer, saiba dizer “Oi, Amor, seja bem-vindo”.



OrenZ


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Cartas para mim: eu te odeio


Eu te odeio. Eu sei que admitir isso me trará todas as energias negativas que definitivamente não preciso, mas eu simplesmente não ligo mais. Dizer em alto e bom tom que eu te odeio é de aliviar a alma. Eu te odeio, serpente-marinha.

Eu te odeio porque eu realmente não consigo me recordar da última vez em que eu estive tão infeliz, tão deprimido e tão vulnerável. Eu estou instável, meus ataques de ansiedade voltaram, meu humor oscila constantemente e eu não consigo ter controle sobre mim. Esses pensamentos me dominam sem aviso prévio, e eu começo a sentir medo de que isso seja o meu verdadeiro eu.

Eu te odeio, serpente-marinha, porque você brincou comigo. Você sempre tinha que estar certa, e então você me dizia como eu era o incoerente, o hipócrita, como eu era “igual a todos os outros”, mas na verdade eu nunca estive errado. 

Eu te odeio porque você me fez acreditar que eu podia confiar em você. Você veio atrás de mim, quebrou todas as minhas barreiras, desarmou todos os meus alarmes e finalmente conseguiu o que queria. Eu te mostrei o meu mundo escondido, o meu “eu” mais íntimo e profundo do meu ser, e então você desapareceu. 

Eu odeio como você me manipulou com suas palavras doces, suas promessas vazias e suas chantagens emocionais. Eu odeio ter caído em seu jogo, mesmo tendo recebido diversos sinais. Eu odeio como a sua mera lembrança é o suficiente para estragar o meu dia. Eu odeio que você não está aí para isso e odeio admitir que você nunca nem esteve.

Tudo piorou depois que eu te conheci, e é por isso que eu te odeio. Porque, antes de você eu não me sentia tão solitário, nem tão ansioso, nem tão menos que os outros.  Antes de você eu não precisava duvidar das minhas atitudes, nem do meu jeito, nem da minha aparência. Antes de você, eu e meu vazio estávamos em paz, e agora eu luto contra ele todos os dias sem parar.

Eu te odeio, serpente-marinha, porque você trouxe de volta para mim tudo aquilo que eu lutei anos e anos para superar.


OrenZ

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Três da manhã, meus olhos despertam. Não demora muito para que eu perceba qual sentimento me acordou nesta madrugada. Cansado, eu procuro meu celular na esperança de ter recebido alguma mensagem.

…Nada.

Eu guardo meu celular e me viro para o outro lado. Observo as luzes alaranjadas do meu pisca-pisca enquanto eu me envolto num casulo de cobertas. Não é uma madrugada fria, mas eu preciso de algum conforto, preciso que algo abrace o meu corpo.

A solidão do meu despertar é avassaladora.

Montanhas-russas


Eu nunca gostei de montanhas-russas. Quando eu era pequeno, passei pela experiência de andar em uma montanha-russa infantil. Chorei, chorei até soluçar. Alguns anos depois, na adolescência, decidi experimentar mais uma vez, afinal de contas eu cresci, e o meu medo poderia ser mesmo só uma coisa de criança.

Aos quinze anos, sentado no primeiro vagão, as travas de segurança do brinquedo descem e eu percebo que me encontro sozinho. A comitiva começa a se mover, agora é impossível desistir. As engrenagens dos trilhos estalam enquanto trabalham para nos empurrar para cima. O passeio é agradável, mas a altura me assusta. E se alguma coisa der errado? Não há nada que eu possa fazer. Eu fecho meus olhos e torço para que tudo dê certo.

Logo os estalos cessam. Uma calmaria gentil toca o meu peito e meus olhos se abrem. Pequenos pontos luminosos brilham e decoram os céus crepusculares daquele fim de tarde. Do topo da montanha-russa, o ar é fresco e o horizonte é infinito. Mas os trilhos voltam a estalar suas engrenagens.

O desespero toma conta de mim, eu ainda não estou pronto para a descida. Eu olho para cima e jogo meus braços ao alto tentando agarrar aquele último pedaço de céu estrelado, mas a descida ao inferno já começou. E então eu grito, grito de raiva, grito de medo, grito de angústia. Grito da descida repentina, das viradas em trancos abruptos, dos loopings e suas reviravoltas indesejadas e, principalmente, das incertezas do que poderá vir a seguir. Eu grito tudo o que eu posso até que não tenha mais ar em meus pulmões para isso. E então eu choro, choro até soluçar.

Eu nunca gostei de montanhas-russas, e mesmo assim eu não consigo escapar delas. Quando olho para os seus olhos, vejo novamente as estrelas iluminando o horizonte infinito. Eu sei que logo a descida vai chegar, porque esta é uma montanha russa. Sei que logo os trancos vão me fazer chorar, e não há nada que eu possa fazer.

Eu sei que eu não quero parar de vislumbrar esses seus céus acastanhados, mas eu sei que eu não quero mais andar em montanhas-russas.


OrenZ


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https://www.youtube.com/watch?v=eD0XEH3qVCk


Meu amor, não chore, está tudo bem. Veja, a tempestade já está quase acabando.

Você se lembra do que me disse há algum tempo atrás? Você disse que o nosso amor é único, capaz vencer qualquer barreira. Talvez eu não consiga mais enxugar as suas lágrimas, nem te beijar um milhão de vezes até você finalmente rir, nem te oferecer o aconchego do meu abraço nos dias difíceis de trabalho que você tiver, mas não pense que eu te abandonarei. Eu sempre estarei olhando por você, lá de cima, junto às estrelas que você tanto ama.

Eu sinto muito por estar partindo tão cedo. Eu prometo que vou te recompensar na próxima vida com todas as tortas de morango e sorvetes de flocos que você desejar. Eu prometo, todos os dias, levar seu café da manhã até você na cama com suas frutas favoritas da estação. Prometo te acordar com um beijo carinhoso de bom dia e com o aroma quentinho de um café fresquinho, do jeito que você ama. Eu prometo ficar lá ao seu lado por toda a manhã, admirando a maneira como você sorri enquanto o sol ilumina os seus cabelos castanhos maravilhosamente bagunçados.

Veja, meu amor, a tempestade está quase acabando. Eu prometo que vou te procurar e nós vamos nos reencontrar, porque eu te amo muito, muito mais do que você ama tortinhas de morango pela manhã. Eu te amo do fundo do meu coração, e por isso deixe-me enxugar as suas lágrimas uma última vez, deixe-me te beijar até você sorrir uma última vez, deixe-me sentir o calor do seu abraço só por mais alguns minutos.

Veja, meu amor, como o sol de põe. Logo as estrelas aparecerão e você poderá me encontrar novamente entre elas.

OrenZ

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Explosão

Pessoas falam que sentimentos acumulados podem explodir.

E o que você faz quando você acumula sentimentos em um ponto que mesmo após você tentar resolvê-los conversando com o problema, você ainda sente que a carga não saiu de você? Ou pior, quando você sente que a carga apenas aumentou?

Às vezes, a explosão não é algo ruim. Às vezes, a explosão é apenas o que eu preciso para dizimar esse sentimento de uma vez por todas.

Localize a fonte do seu sentimento. Veja ela entrar em combustão. Exploda. Destrua. Dizime. Elimina. Faça com que não exista mais em um lugar que você possa ver. Apague completamente da existência. Nunca mais permita que ele te influencie em qualquer jeito que minimamente te afete.

O reduza a nada.

E, após você explodir e acabar por inteiro com o seu problema, sinta o calor esquentar sua pele.

É reconfortante, não é?

~Misty

Incômodo


Hoje, acordei me sentindo um pouco estranha.

Eu sentia uma sensação de profundo incômodo e irritação. É algo que não tem um motivo exato para estar acontecendo, mas está lá. É um leve aperto no peito que não é forte o suficiente para ser uma dor, mas é forte o suficiente para se mostrar presente. É uma sensação de que algo está errado mesmo que você saiba que não há nada errado. É uma leve cutucada na sua mente sem que você possa evitá-la. É não se sentir confortável nem quando você está fazendo algo que você gosta, como assistir séries, ou ler um livro, ou caminhar. É você sentir um leve peso sobre você até quando está tentando relaxar.

Uma mistura de sentimentos rodopia nos meus pensamentos. O incômodo torna tudo mais intenso do que seria normalmente. A tristeza faz tudo parecer mais tedioso e maçante. A insegurança diz que todos me odeiam. A irritação diz que tudo bem se eles me odiarem, não é como se eu devesse me importar.

Por certos momentos de hoje, fiquei com raiva do calor que tentava me esquentar. Fiquei com raiva das pessoas que eu via pela janela do meu quarto andando na rua, por elas estarem rindo e conversando e parecendo bem. Mas, principalmente, eu tive raiva do mundo, por continuar girando e se movendo, sem me dar tempo para eu resolver o meu incômodo antes de seguir em frente.

Meu incômodo apenas deu uma aliviada quando eu vi que o céu não estava azul. O céu estava completamente tomado de nuvens. Tudo acima de mim era um manto cinza claro homogêneo. Tudo parece igualmente iluminado, mas sem nenhuma evidência de que o sol está lá em cima.

Abri a janela e o ar fresco balançou meus cabelos. Eu fechei os olhos e respirei fundo, deixando a brisa me envolver e causar arrepios nos meus braços.

A brisa fresca levantou o peso sobre o meu peito e o céu acinzentado limpou a minha mente. Pequenas coisas que tornaram o meu dia de hoje mais suportável.

Talvez meu humor sofra uma mudança brusca e tudo pareça mais lindo daqui a cinco minutos. Talvez meu dia não fique melhor do que isso. Não é como se estivesse completamente sob o meu controle.

De qualquer jeito, não me importo em ter alguns dias assim, desde que não sejam a maioria.

Eu abro as portas do meu quarto para esse incômodo, e digo para ele se sentar enquanto eu preparo um chá para nós dois. Eu converso com o meu incômodo para tentar descobrir sua fonte.

Quando há uma fonte, nós resolvemos o problema juntos.

Quando não há uma fonte, como hoje, eu apenas concordo com a cabeça em compreensão. Aperto levemente seu braço de maneira reconfortante e dou um pequeno sorriso. Está tudo bem. Nós vamos ficar bem.

Continuamos tomando nosso chá em silêncio.



~Misty

Viva

Tem momentos que o mundo parece ser… muito. Muito intenso, pesado, te puxando para baixo.

As pessoas falam sobre viver, e não apenas existir. Mas, às vezes, não é uma questão de existir. Às vezes, eu sinto que já estou morta.

É por isso que eu preciso de coisas que me provem o contrário.

Eu preciso de conversas até tarde da noite, de rolês na Paulista de madrugada e andar de skate na ciclovia mesmo sem saber andar de skate direito. Eu preciso de corridas no parque até meus pulmões pegarem fogo, beber até sentir a cabeça latejando a ponto de quase explodir, atravessar a rua mais perto dos carros do que eu deveria…

Eupreciso disso. Preciso dessas provas.

Qualquer coisa para eu me sentir viva.


~Misty

Ah, o amor

Eu não escolhi me apaixonar. Inclusive, eu estava exatamente fugindo do amor quando você me encontrou.

Nossa conexão foi imediata. Em poucos dias, parecia que nós éramos íntimos havia anos. Nossas almas estavam entrelaçadas de um jeito que as forças do universo nunca poderiam explicar.

Eu olhei para os seus olhos e eu quis saber o que fazia eles brilharem. Não demorou muito até eu descobrir algumas coisas.

As coisas que faziam seus olhos brilharem eram muitas e isso era incrível! Você se entrega tanto para as coisas nas quais é apaixonado. Seus olhos brilham quando conversamos sobre o universo e sua imensidão, quando nós rimos, quando dançamos, quando ficamos acordados até de madrugada… quando você simplesmente olha para mim. Eu percebi que eu faço seus olhos brilharem, e tudo que eu pensei naquele momento foi “não, não, não, eu não concordei com isso!”

Eu me recusei a aceitar o óbvio, e menti para mim até acreditar que todos os seus amigos faziam seus olhos brilharem daquele jeito. Mas é claro, não há como eu ser especial nesse ponto - não para você, nem para ninguém no momento. Simplesmente, não.

E o tempo passou.

Algo me puxava para você, algo que eu decidi que era uma forte ligação de amizade, um amor completamente e estritamente platônico. Ah, e como isso acalmava minha alma. Nos aproximamos cada vez mais e tudo ia perfeitamente bem. Quer dizer, até que não mais.

Eu sempre tentei manter um certo limite entre o que poderia acontecer entre nós. E o que eu faço com esse limite quando eu olho para ele e só quero que ele desapareça?

O que eu faço quando minha mente vaga sozinha e eu começo a imaginar o jeito que você deve beijar alguém? Quando eu imagino que os lábios que você beija poderiam ser os meus? O que eu faço quando sinto esse embrulho horrível no estômago quando ouço você falar o nome de outra pessoa? E quando eu sei que eu provavelmente não sou uma opção para você por culpa minha, pelos limites que eu impus?

Eu lutei tanto para afastar o amor de mim. Eu não queria amor. Eu queria paz.

Mas, agora, parece que a única paz que eu posso ter é perto de você.

O que eu faço?


~Misty

Apoio

Ser o centro de apoio de alguém é um trabalho pesado.

É algo extremamente bonito você estar presente e se oferecer para ajudar seus amigos quando eles precisam, e é algo que todos procuram em uma amizade verdadeira: alguém para estar lá nos bons e nos maus momentos. Porém, isso muda quando você é o único apoio de alguém que você sabe que precisa de mais do que isso, que precisa de apoio profissional.

Como eu posso te ajudar sabendo que eu sou a única a te ajudar e sabendo que a minha ajuda nunca será o suficiente para você melhorar de verdade? Como eu posso te observar se autodestruir à distância sem poder fazer algo significativo para acabar com isso?

Eu grito, mas você está tão longe que meus gritos chegam a você quase igual a sussurros indistintos. São palavras que saem de mim com força e empatia e desespero, mas você não as assimila. É quase como nada.

Como posso tentar ser seu apoio sem eu conseguir ter uma base firme? Eu não tenho o preparo teórico para isso. Eu não tenho preparo psicológico. Não tenho e não deveria precisar ter na minha idade e na minha situação. Não deveria ser necessário.

E, com isso, eu sou tomada pelo desespero para fazer ações que não se cabem a mim fazer e sem o efeito que eu gostaria que elas tivessem. Você se afunda e eu também.

Como eu posso te impedir de se afogar sem que eu me afogue junto?


~Misty

Uma ajuda


É uma sensação engraçada essa.

Quando você não está perdida - longe disso. Quando você se lembra perfeitamente do caminho, quando você sabe todas as curvas e voltas que precisa fazer para ir de volta para casa, mas não é isso o que você quer fazer. Você quer que alguém vá até você e te ache.

Você não está perdida, mas você quer ser encontrada. Você sabe que pode se acolher sozinha, mas você quer ser acolhida nos braços de alguém que se importe com você.

Por mais independente que você seja, às vezes, simplesmente não é o suficiente.

Às vezes, você consegue se levantar sozinha.

Porém, às vezes, você sente que a mão que te levanta precisa ser de outra pessoa.


~Misty

Viver no passado

Remexa o passado. Reviva todo o sofrimento que você já teve. Sinta novamente todas as dores que você já sentiu. Sinta todas as felicidades com um ar de tristeza por saber que essa felicidade nunca vai voltar.

Sinta toda a esperança, e se lembre de todas as vezes que ela se desfez em decepção. Cutuque feridas mal cicatrizadas e as abra novamente para você sentir todo o desespero que foi feito para você.

Viva o presente no passado. Molde seu futuro baseada nessa dependência. O passado ainda consegue te machucar, principalmente se você deixar.

E, então, eu quero que você olhe ao redor e pense consigo mesmo:

“Isso é viver?”

~Misty

Monstros

Uma vez, me pediram para contar uma história sobre monstros. Eu, de imediato, contei a história sobre o meu primeiro amor.

-Mas isso não é uma história sobre monstros.

-Os monstros não vivem embaixo da sua cama - eu disse. - Eles te fazem rir, pegam na sua mão e te beijam com a mesma boca que eles mentem ao dizer que te amam.

~Misty

Ficar sozinho não é algo ruim.

Ter poucas pessoas ao seu redor também não é algo ruim.

Ruim é você manter por perto pessoas que fazem você se sentir mal consigo mesmo constantemente, que não se importam com os seus sentimentos, que não compartilham as mesmas ideias nas quais você acredita, que fazem você sentir que você não é amado.

Ruim é você dar o seu tesouro para alguém e esse alguém te retribuir com o lixo dele. É você se desgastar para dar o melhor para uma pessoa e essa pessoa se desgastar para dar o melhor para ela mesma também e te deixar de lado. Isso, sim, é algo ruim.

É algo que, se você perdesse, por mais que você pudesse sentir a falta física dessas pessoas ao seu lado, elas não seriam realmente uma perda.

Sabe o que é uma perda? Perda é você diminuir quem você é para fazer outra pessoa confortável.

Você é tão complexo quanto um universo, cada defeito e cada qualidade em você são estrelas. Sua personalidade é única, você está em constante mudança e você pode direcionar suas mudanças. Você tem a capacidade de destruir coisas que você não gosta em si e potencializar coisas que você gosta.

Como você ousa se diminuir para pessoas que não sabem admirar o que têm em frente? Como você pode deixar alguém descrever esse fenômeno que você é como menos do que “de tirar o fôlego”? Como você consegue aceitar um mínimo afeto e achar que isso é tudo que você consegue ou merece? É uma perda para o mundo você encolher tamanha magnitude.

Nunca aceite migalhas. Não quando há pessoas que estão dispostas a dar o próprio mundo para você.


~Misty

Feliz Dia dos Namorados

Hoje, eu queria desejar um feliz Dia dos Namorados para todos aqueles que estão em um relacionamento amoroso, feliz e que enche vocês de alegria.

Mas eu queria também desejar um feliz Dia dos Namorados a todos os solteiros.

Eu queria desejar um feliz Dia dos Namorados para aqueles que estão solteiros por opção; aqueles que não tiveram escolha; aqueles que tiveram a força de acabar com um relacionamento abusivo; aqueles que viram seu relacionamento se tornar algo que não queriam mais para si; aqueles que viram a outra pessoa se tornar algo que não queriam para si; aqueles que se sentem felizes, tristes, solitários, rancorosos, raivosos, perdidos, encontrados… para todos os que lerem essas palavras.

Se você terminou, provavelmente sentia que não estava dando certo. Se não foi você quem terminou, você vai achar alguém que te ame e te entenda como a pessoa que te deixou nunca conseguiria.

Então, quero que, no dia de hoje, vocês todos riam, chorem, dancem e aproveitem sua própria companhia. Independente de você estar em um relacionamento ou não, a pessoa que mais te ama deve ser você mesmo - não só hoje, como sempre. Ame cada virtude e aprecie cada defeito que você tem, pois você não seria você sem cada um deles. Ame sua presença de um jeito que você possa desejar outra pessoa, mas que apenas você mesmo já seja o suficiente para a sua felicidade.

Não é porque você está solteiro que você deve se sentir só.

E não é porque você está solteiro que você deve se sentir mal com isso.

~Misty

Amor (próprio)

Quando você aprender

A se amar,

Vai parar de correr atrás

Do amor

De pessoas

Que não te amam.


Eles nunca vão te amar

Enquanto você não amar

A si mesma.

E, quando você amar a si mesma,

Não vai mais precisar

Do amor dos outros.


~Misty

Sentimentos…

O que fazer quando você sente algo que simplesmente não consegue explicar?

Esse sentimento estranho que você sabe que não é bom, mas que também não sabe exatamente o que é?

As palavras andaram falhando miseravelmente comigo ultimamente. Sempre que preciso colocar as coisas para fora, tentar explicar com palavras o que está acontecendo, nada sai.

Nada, além de um grito mudo.

Um grito ninguém nunca ouviria, mas com tanto desespero que qualquer um, mesmo sem ouvi-lo, poderia senti-lo dentro de si.

Se meus gritos fossem notas de um piano, seriam aquelas mais graves tocadas ao mesmo tempo que as mais agudas possíveis. Eles seriam trovões, que parecem ter o poder de destruir tudo ao seu redor com apenas barulho. Eles seriam sussurros com palavras indiscerníveis que pareceriam conseguir fazer tudo ficar bem mas com um tom ameaçador que cria arrepios em sua pele.

Eles seriam um gesto reconfortante e, ao mesmo tempo, um ato de agressão. Seriam um abraço apertado junto a um tapa inesperado. Eles seriam um beijo nos lábios junto a um tiro na cabeça.

Eles seriam tudo e nada ao mesmo tempo.

Seriam uma confusão que não faria sentido para ninguém - nem mesmo para mim -  porque é exatamente assim que me sinto. Eles seriam todas as milhares de palavras que quero falar enquanto nada sai da minha boca. Eles seriam tudo que eu queria guardar para mim ao mesmo tempo que queria gritar para os céus para que todos pudessem ouvir e, talvez, até tentar entender.

Tentar entender o que eu sinto - e falhar miseravelmente. Porque, se nem eu mesma consigo entender o que eu sinto, o que outras pessoas conseguiriam entender… se elas nem mesmo sentem?

~Misty

Pensamentos…

Tenho andado um tanto perdida nos últimos tempos.

É complicado você continuar seguindo em frente quando você tem essa sensação de que não sabe o que está fazendo, ou o que deveria estar fazendo, ou o que gostaria de fazer.

Não sei para onde vou, não sei onde estou, e mal me lembro do caminho que fiz para chegar aqui.

Tudo o que eu sei é de onde eu parti.

Mas a linha de partida está a tantos quilômetros e quilômetros de distância, que mal posso ver sua figura minúscula no horizonte que eu deixei para trás.

Olho para os meus lados e não consigo ver nada. Não porque não há nada ao meu redor, mas, provavelmente, porque estou cega. O pior tipo de cegueira: estou cega de pensamentos.

Os pensamentos distorcem minha realidade e a transformam no que acham convenientes - não convenientes para mim, mas sim para eles. Como se eles fossem um outro ser que gosta de me ver em confusão.

Os pensamentos me deixam cega para a realidade e criam situações imaginárias que nunca aconteceriam fora da ilusão que eles me proporcionam, mas que parecem tão reais quanto a realidade que não consigo enxergar.

Mas não seria interessante apenas cenários bons. Os pensamentos me levam para universos paralelos. Universos onde acontecem varias coisas, onde acontecem coisas demais. Universos onde acontece tudo que eu sempre quis e que nunca realmente aconteceu. Universos onde acontece tudo que eu sempre temi e que fazem eu temer tudo isso mais ainda.

E, com tantos pensamentos e tantos universos, fica complicado a tarefa de me lembrar que aquilo simplesmente não é real.

Aqueles pensamentos parecem tão reais quanto eu.

Aqueles pensamentos podem não ser reais, mas eles são eu, e eu sou real.

E, se eles não forem reais, então…

O que seria de mim?

~Misty

Cartas que nunca serão entregues pt. 1

É engraçado como as coisas mudam, não é? Uma promessa é quebrada, ela vira uma desculpa, e essa desculpa é esquecida.

O mundo deu voltas, eu tropecei no caminho e você não olhou para trás, nem mesmo sentiu a minha falta. É isso que eu sou para você? Um acessório bonito, mas que, quando perdeu o brilho, você passou para o próximo? É fácil ir embora quando as coisas deixam de ser como você queria, quando eu discordo dos seus métodos.

Você ia para festas enquanto eu ouvia músicas nos corredores da escola; você abria sorrisos para todo mundo enquanto não me dava nem mais um “oi”.

Naquela época difícil, eu conheci muitas pessoa que se importaram e ainda se importam muito comigo. Eu já debati muito comigo mesma sobre se eu também escrevia o seu nome nessa lista ou não. No final, eu acabei escrevendo.

Não se engane. Não é como se eu tivesse esquecido ou te perdoado. Eu apenas sou a rainha em fingir que certas coisas não aconteceram. Apagar certas memórias da minha mente é algo no qual sou uma especialista. Já ouvi dizerem que isso é a sobrevivência, mas, às vezes, me pergunto se isso não é, na verdade, covardia.

É engraçado eu querer escrever isso agora. Não é como se isso importasse mais. Não é como se fosse algo que deveria ter me incomodado nunca. Você seguiu a vida, e eu fiquei presa em um mundo de “e se?” E se eu tivesse seguido os seus passos? As coisas seriam tão diferentes? Ou tudo aquilo estava fadado a acontecer e não havia nada nem ninguém que pudesse mudar isso?

Nós ainda saímos às vezes. Algumas festas juntas, alguns poucos almoços. Aparentemente, eu sou uma das amigas que você gosta de mostrar. Isso acontece por eu ser alta ou pelo meu cabelo ser liso? Por eu sorrir para todos ou por nós termos um histórico juntas?

Eu cheguei a deixar de ser um acessório?

Eu deveria apagar o seu nome da lista?

Ass.Misty

O Passear das Chamas

A cidade estava sendo consumida por chamas. O fogo se espalhava rapidamente pela cidade inteira, tomando cada espaço possível.

Ninguém viu o incêndio começar.

Passava um pouco da uma hora da manhã quando começou. Todos estavam dormindo e a cidade estava em silêncio. Até o primeiro grito, é claro. Mas, quando eles ouviram o primeiro grito, já era tarde demais. O fogo já consumia um quarteirão do centro da cidade e avançava vorazmente. As chances de apagar o incêndio eram poucas.

Desesperados, os moradores tentaram escapar - em vão. Outro incêndio muito maior cercava a cidade completamente, como uma grossa faixa de segurança para manter todos do lado de dentro. E o fogo avançava cada vez mais na direção do centro. O quarteirão em chamas no centro da cidade era apenas uma prévia do verdadeiro show.

As chamas consumiram rapidamente cada casa, prédio, loja, biblioteca - simplesmente tudo -, como um animal faminto, sempre querendo mais e mais. Vários já estavam mortos - mortos pelo fogo, por asfixia ou pelo próprio desespero. Os que ainda estavam vivos gritavam em agonia, sabendo que todos teriam o mesmo destino entre as chamas. Mas não podiam fazer nada para mudar isso. Tudo o que eles podiam fazer era lutar por alguns segundos a mais e ver sua vida ser destruída lentamente, assim como a de todos ao seu redor.

Era meio da madrugada. A fumaça do fogo impossibilitava a vista das estrelas e da lua no céu. A leve brisa que espalhava o calor fazia parecer que estava chovendo cinzas. As cinzas do que um dia foi uma cidade pacífica. Os gritos de dor e desespero eram ouvidos a quilômetros de distância, mostrando a agonia daqueles que ainda estavam lutando para sobreviver.

No centro da cidade, sobre o prédio mais alto, uma garota observava a cena. O fogo era refletido em seus olhos castanho-avermelhados. As cinzas caíam sobre ela, enfeitando seu cabelo como se fossem flocos de uma neve mórbida. A brisa fazia seu vestido vermelho esvoaçar, como se ela mesma também estivesse em chamas. Os gritos desesperados penetravam em seus ouvidos. O calor aquecia sua pele clara. E ela sorria.

A garota cantarolava uma música para si mesma enquanto observava o caos e o desespero. O meio sorriso de satisfação e orgulho de sua obra nunca saía de seu rosto. As chamas começaram a consumir cada vez mais o prédio no qual ela estava e ela percebeu que era hora de descer.

Ela foi até a borda do prédio e olhou para baixo. Era uma queda alta de, aproximadamente, vinte e cinco andares, e o chão estava em chamas. Mas ela não se importou com esses detalhes. Ela se virou de costas e se inclinou para trás até perder o equilíbrio. Em alguns segundos, já estava em queda livre, seu corpo em paralelo com o chão, se aproximando cada vez mais deste. Ela encarou o céu enquanto caía e imaginou as estrelas que se escondiam em cima da fumaça do incêndio.

Quando estava a poucos metros do chão, um vento soprou forte em sua direção vindo de baixo para cima. Foi como se o vento a estivesse segurando e diminuindo sua velocidade. Quando ela chegou ao chão, ela o tocou com seus pés delicadamente.

Ela começou a andar para a frente, ignorando os pedidos de ajuda e os gritos. Ela desviava de automóveis, prédios e postes pegando fogo.

As chamas não a queimavam. Pelo contrário. As chamas traziam uma sensação de segurança para ela. As chamas a protegiam, nunca a machucavam. Então, ela continuou andando até que ouviu uma voz a alguns metros de distância.

-Você demorou.

Um caminho se abriu no meio do fogo. O caminho ia da garota até um garoto de cabelos castanho-escuros e olhos negros. Suas roupas pretas estavam cobertas de cinzas, assim como seu cabelo, e ele dava um meio sorriso para a garota. Ela sorriu de volta.

-Estava apreciando a vista.

Ela explicou. O garoto sorriu mais enquanto se aproximava dela. Conforme ele andava, as chamas cobriam o caminho atrás dele, até que havia apenas cerca de dois metros quadrados sem fogo - o lugar onde os dois estavam. Ele estendeu a mão para a garota e perguntou:

-Você gostaria de dançar nas chamas?

Ela sorriu mais.

-Não foi para isso que nós viemos?

Ela respondeu enquanto colocava sua mão sobre a dele. E eles dançaram no meio das chamas e da ruína da cidade, no meio de uma chuva de cinzas em uma noite sem estrelas no céu. Eles dançaram em meio ao desespero e ao caos como se eles mesmos fossem parte do caos e do desespero. Eles simplesmente dançaram.

Escrito por Misty 

—Dói lembrar?

—Claro que dói.

—Dói se culpar?

—Muito.

—Então por que se torturar tanto?

—É a melhor forma de entender, o que eu fiz, assim irei aprender a não cometer aqueles erros mais uma vez.

ryuskyd by Renan

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