#depressão

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Às vezes aquela pessoa tóxica, é quem você mesmo espera.

As vezes sinto que algo ruim vai acontecer, a qualquer momento.

Como eu consigo fazer tanto mal, pra quem eu quero tão bem?

Eu não aguento mais, não quero mais.

Só queria sumir do mundo

Crises e a mais crises

Essas memórias me deixam cada dia mais fraca.

Eu sou completamente inútil na vida de todos, inclusive na minha.

“Você ta falando essas coisas porque ta em crise”

Não, eu to falando porque eu penso isso.

Me sentei, me sentindo estranha, em um canto da festa. Pensei que essas situações sociais não eram para mim. Eu me sentia ansiosa, batendo as unhas na borda da lata de cerveja quente. Me sentei, sentindo um peso nas costas, o odor do lugar me incomodava. Vislumbrei lembranças incômodas, embaladas pela música animada, o que fez tudo ficar bem pior, me vi então em um filme cult: luzes escuras, cores estranhas um misto de vermelho e roxo e verde, abraçados por uma neblina da fumaça dos tantos cigarros que ali queimavam.

Que me queimavam também.

Senti uma chama se acender em um pequeno canto do meu cérebro. Queimando tímida, irradiando seu pequeno calor e fervendo alguns neurônios cansados. Eu quis fugir da conversa, admito. Queria ficar quieta. Precisava de silêncio para pensar, mas então, tive medo de ir embora e me ver sozinha. Me ver sozinha e ver algo que eu não gostava em mim mesma. Guardei então, essas ânsias, bem dentro de minha traqueia, e as afoguei com mais um gole da cerveja, enterrando-as estômago abaixo, bem onde eu não poderia olhar.

Quis que meus órgãos fossem cúmplices de meu crime.

Esqueci que crise alguma vai embora numa festa.

Fechei os olhos e me balancei ao ritmo da música: para lá e pra cá, titubeando os dedos na lata de cerveja, balançando os pés. Minha mente se movia ao contrário, se rebelando contra a gravidade e indo para o lado oposto, contorcendo-se feito um peixe fora d’água, doido para respirar, vendo seus últimos minutos de vida, na tortura eterna do fim. A eternidade que dura alguns segundos. Mas eu queria sorrir, eu juro. Eu queria dançar e beijar, bem no meio da pista de dança, eu queria ser o próprio carnaval tamanha alegria, mas me sentia feito Quarta-Feira de Cinzas, a ressaca antes mesmo do primeiro gole de álcool.

Esses pensamentos não levam a nada. Para lá e pra cá, tentando entrar no clima, tentando fazer parte do ritual, da dança, do grupo. Tentando me enturmar, ainda que eu me sentisse em uma outra frequência, onde eu não pudesse ser ouvida. Uma outra realidade enxergada através de um vidro. Eu sou espectadora aqui.

Sinto a pele pulsar de agonia, esperando as horas se dobrarem e o dia amanhecer. Esperando que seja apenas a cerveja que não bateu bem, me debatendo junto com os ponteiros do relógio. Sentada em um canto da festa, observando as gargalhadas pairarem pelo ar, feito pássaros pousando nos fios do poste da rua, querendo tocar os próprios fios, e absorver a eletricidade de toda a empolgação.

Me vejo em outro mundo, eu sou de outro mundo: meu planeta está depois de Plutão, tão distante do Sol e do calor dessas coisas corriqueiras.

Acendo um cigarro para me distrair e a fumaça dele se enturma com a outra que já pairava ali. Me sinto invejosa, uma bolha de ressentimentos que eu só destinarei a mim mesma. Meus olhos se fecham, e eu vejo o nada, vejo tudo, vejo o que não queria lembrar, meus pensamentos me enganam, minha mente está tramando contra mim. É só uma bad, é mais que isso. Porra, você vai acabar explodindo assim, menina.

Vai com calma.

Segura a onda, eu lembro de um amigo dizendo. Segura a onda, a bad vai passar. Tudo passa, mas eu ainda penso no peixe se contorcendo fora d’água, pensando na eternidade finita do seu pequeno gigantesco tormento. Guardo certos pensamentos para mim, tento afogá-los de novo com cerveja, tento sufocá-los com o cigarro. Sinto meu corpo se retraindo contra si mesmo. As células de fora, as células da pele, agora querem voltar-se para dentro, escondidas, dentro da casca. Meu corpo é seu refúgio e eu sou aquela que fica para trás.

Penso em amores passados, penso em amizades perdidas, penso nas esperanças que morreram no caminho, padeceram de sede, enquanto eu cruzei esse deserto por anos. Penso nos mistérios dos céus, e do fundo do mar, no sal das lágrimas e do suor, me vejo mergulhando em mim. Embaladas agora por uma música meio agitada, aquele eletrônico triste, feito para agradar pessoas como eu.

Um cruzar de pernas e o olhar desinteressado, disfarçando certas tristezas com tédio, olhando a vida por esse espelho, esperando que os sentidos possam finalmente abraçá-la. Cruzando pela noite meu deserto, procurando o oásis de uma vida despreocupada, de uma noite tranquila. Penso que esperarei o próximo DJ para me levantar e sigo esperando, enquanto a vida passa.

É uma noite quente de verão, algumas estrelas se esforçam muito para aparecer no céu e você até consegue contar algumas. Como o glitter que prega na roupa depois de um baile de carnaval. Aliás, já é quase carnaval e a festa começa a borbulhar na panela com todas os fogos e cores e a alegria, os sorrisos, embora em um lugar ou outro você sinta um velho desconforto. Você não conseguiu jamais batizar-se neste rio de felicidades, neste mar de contentamento. Uma vez, você se pegou chorando durante uma cagada e, sentado na privada, sentiu algo rasgando no peito. Você costumou-se a afogar esses sentimentos na bebida, no sexo e nas drogas, ainda que não surtisse efeito, você apenas achou que valia a pena tentar.

Você não sente? Formigando na pele, coçando feito uma urticária. Mas você parou com a hipocrisia, admitiu certas falhas e o que falta em você e admitir é o primeiro passo. A questão é para onde. Você foi o andarilho sem rumo de sua própria vida, andando em círculos, perseguindo o próprio rabo e apenas cometendo os mesmos erros de novo e de novo. Talvez fosse uma condição intrínseca do ser humano. Mas por quê algumas pessoas parecem sempre estarem melhores que você? Talvez elas finjam muito bem, talvez só sejam melhores mesmo, ou mais maduras. Você sentiu que de alguma forma, era um fantasma assombrando todos os espaços que ocupava, todos as festas e rodas de amigos, bares e consultórios. Assombrando a realidade sem assustar a ninguém, sem ser notado, um sopro no ombro de alguém e só, você estava em outra realidade e portanto, mal conseguia tocar aqueles ao seu redor.

Esse desconforto… Tem dias que vai lhe comer vivo, um parasita vivendo dentro da sua mente se alimentando de tudo que é sentimento bom. Aposto que você se sente novo demais para sentir essas coisas, ainda que essas coisas não tenham idade. Você só é mais sensível…

Olha a casa, o quarto, as paredes sujas e o tédio de uma noite insone e você gostaria de algo intenso e profundo o suficiente para te arrebatar das garras da mesmice. Com frequência, você pensou que merecia ser salvo: um arrebatamento particular. Ta aí, o nome desse texto: você ainda pensa que merece ir para o céu, mesmo que não acredite em Deus. Bom, mas se Deus existir, ele vai conseguir viver com a sua descrença, mas não acreditar em si mesmo… Você conseguiria suportar? Honestamente, você sente que falhou consigo. Você não cuidou do seu corpo, sentimentos, mente. Você meio que foi abusivo para si mesmo, mas ainda procura outras pessoas para culpar. A culpa é uma roupa que só veste melhor os outros.

Mas é uma noite de verão, você senta no banco da praça e acende um cigarro, talvez, beba uma cerveja enquanto sente aquele cheiro do bueiro que está próximo, misturado com o aroma de Damas-da-noite. Incrivelmente, não é desagradável! Esse desconforto tem te seguido a vida toda, será que você não pensou que merecia mais do que merecia de fato? Quer dizer, a gente passa uma vida querendo o que não tem, ou se esforça pouco, olha, não fique para baixo, a vida só piora daqui para frente. O que a gente tem que fazer é encascorar a pele, e você sabe que uma pele calejada só vem depois de muito atrito e dor.  Você pensou que precisava de maturidade emocional e um carinho no rosto. A leve brisa toca sua face gentilmente, realizando um pequeno pedido. Não vá se acostumar, o buraco é mais embaixo.

Fato é que já é fim de ano, e essa época sempre te deixa se sentindo meio bosta. Tem alguma coisa no ar das festividades que faz você lembrar de cada merda que você fez no passado. Se ao menos você pudesse se perdoar, aliviar-se do peso que carrega nas costas, como um mártir de ninguém e nem de você mesmo, um herói jamais reconhecido por façanha alguma além de sofrer pelo que nem aconteceu, mas a ansiedade foi seu calvário e você se pregou em uma cruz. Ah, eles dizem que se amar é fácil. Gostar de si e abraçar seu próprio corpo como o se fosse sua alma gêmea. Mas seu corpo e sua essência são amantes a sua eterna espera. Irão esperar você retornar da guerra consigo mesmo, para que então possa distribuir afeto pela pele e mente, envolvendo todos os órgãos, em um beijo caloroso e um abraço apertado.

O barulho das árvores dançando junto ao vento te levitam e te levam de encontro a melancolia, sua velha amiga. Você pensa que merecia mais de você mesmo e promete mudar no próximo ano, ainda que você tenha a tendência de se esforçar muito pouco em tudo que você se propôs a fazer. Se ao menos alguém te olhasse nos olhos e sussurrasse bem baixo, com a voz aveludada: tá tudo bem.

Será que você acreditaria?

Talvez, você realmente seja sensível demais neste mundo áspero e amargo, talvez você se sinta como as rosas cujas hastes são cortadas todos os dias em um jardim. Talvez você seja isso, uma metáfora brega e (meio que) verdadeira. Esse desconforto segue ao seu lado como um fantasma, de alguma forma você sabe que ele jamais irá embora, você sabe que está em algum limbo. Nem ele nem você serão arrebatados nesta noite, ou noite alguma. A realidade te arranha a pele, pedindo que você a enxergue. Aqui estão todos: a solidão, o desconforto, a realidade, e você, caçando estrelas que já não existem mais.

As duas adentraram na festa, cumprimentaram a todos (ou quase todos), pegaram uma cerveja e sentaram-se no sofá, de canto. A festa estava cheia para o apartamento da anfitriã. Muitos rostos desconhecidos, muita gritaria e gargalhadas pairando no ar, junto do cheiro de cigarro e de maconha. Havia uma pequena neblina no apartamento e todos os rostos estavam sorridentes, no meio da sala, um homem e uma menina dançavam rockabilly estilo Jack Kerouac em On the road. Estavam em silêncio, haviam brigado no caminho para cá, e mal se olhavam na cara.
- Me empresta o isqueiro?
- Tó. - Juliana fez que não falaria mais nada, mas pensou melhor, daria o braço a torcer. - Você tem certeza que está em clima de festa?
- Eu não. Mas eu não quero ficar em casa, olhando pras paredes. O barulho ajuda a mente não pensar mais no problema.
- Esquece esse climão, pelo menos vamos tentar se divertir.
Larissa escorou a cabeça com a mão esquerda, com uma cara de dó, enquanto observava o céu escuro da vista da varanda. Pequenas estrelas brilhavam entre as janelas dos prédios e o céu era um pano negro que cobria São Paulo. Andava meio deprimida, e fazia mais de uma semana que não saída de casa, Juliana a arrastara para lá, para tentar melhorar o humor. Bom, era óbvio que não estava adiantando: não é divertido se divertir quando não se consegue se divertir. Ao seu lado, a amiga balançava timidamente os ombros ao som da música e sua franja balançava de um lado para o outro.
- Se você quiser ir embora, a gente vai, tá bom? Mas quem sabe não ajude mesmo. Dançar é bom para essas coisas.
Por “essas coisas” Juliana queria dizer a fase letárgica que ela estava tendo por esses dias. Ninguém ousava dizer a palavra certa: depressão. Talvez chamar a coisa como ela é, faça com que a coisa seja menos potente, seja opaca diante da realidade. Ela pensava que só precisava aguentar algumas horas, não beberia muito, não usaria outras drogas, talvez tentasse absorver um pouco dessa alegria que pairava sob todas as outras pessoas da festa. Talvez a alegria adentrasse pelas narinas como cheiro da fumaça e assim como fumaça, impregnasse em suas roupas, cabelos e até na própria pele.
Claro, não queria ficar com essa cara de bunda a noite toda, então se esforçava também: mexia os pés com a batida do som, balançava a cabeça enquanto fechava os olhos. Pensou que o som das gargalhadas altas adentrando seus ouvidos, era um pouco agradável. Queria sentir tudo isso. Olhou à sua frente, dois homens se beijavam carinhosamente no meio da sala, bem no meio da pista de dança, bem na hora que as luzes se apagaram e foi ligado um jogo de luzes coloridos que fazia o beijo ter vários tons diferentes de cores primárias.
- Eu ainda me surpreendo com gente que consegue flertar em festas hoje em dia. - Juliana diz, olhando para os dois que dançavam e se beijavam sem cansar.
- Só a ideia de flertar no geral, já me dá preguiça.
- Acho que é porque a gente não está ali no meio.
- Eu sei que eu não sou do tipo que estaria ali no meio. Mas se estivesse não seria pra ficar com ninguém.
- E aquela fase sua? Você direto estava saindo “barra” transando com algum cara…
- Ju, olha essa bagunça toda. - ela apontou para si mesma. - E ainda envolver homem nisso… Não é uma boa. Acho que empapucei. A maioria dos caras são iguais essa festa: você sai esperando um momento de profunda diversão e intimidade e volta sem nada para casa.
- Bom, profunda intimidade e festa muito boa não é fácil de achar. A gente tem que ir em algumas festas ruins e encontros rasos para saber disso.
- Mas não está na cara? Eu sabia, quando saí de casa hoje que não deveria ir a lugar nenhum. Acho que preciso de coisas mais tangíveis, menos passageiras…
- Uma festa não é lugar para isso.
- Eles estão se divertindo.
- Eles não estão se sentindo como você ou estão fingindo muito bem, bicha.
- Você tem essas coisas? Sentir que a alma sua envelheceu demais e tudo isso, que nós jovens deveríamos aproveitar, simplesmente perde o sentido? Eu parei de sair com esses caras porque eu sempre me via voltando para casa meio vazia, e triste ou apenas entorpecida. As poucas vezes que algo ultrapassou a pele não durou mais que algumas semanas. Acho que quero honestidade.
- Você tem alma de artista. Artista tem essa coisa de buscar por algo profundo.
- Mas querer conexões humanas reais não é só coisa de artista.
- Não, mas artista geralmente consegue admitir isso.
- Bom, eu só sei que excluí o tinder.
Juliana se levantou para dançar, bem a frente de sua amiga. Ria enquanto rodopiava e mexia o quadril, ainda segurando a lata de cerveja em uma mão e um cigarro na outra. Mal olhando para as outras pessoas da festa, ela constantemente fazia gestos para que Larissa levantasse do sofá, que negava o tempo inteiro, balançando negativamente, a cabeça. Vendo a amiga dançar, Larissa pensou que certas profundidades estavam agora longe de seu alcance. Todo o resto da festa ficou embaçado atrás da amiga que há dias tentava lhe animar seja lá como for. Sentia que certas urgências da juventude não mais lhe cabia, pelo menos, não neste momento, onde seu espírito parecia ser muito mais velho que o corpo. Como se tentasse, constantemente se encaixar em lugares que não foram feitos para ela. Ainda sim, sorriu ao olhar Juliana, alegre e disposta.
- Viu só? Você sorriu!
- Porque você é otária.
- Querida, certas profundidades estão aqui. - fez um gesto, apontando para as duas. - Acho que a gente quer muito o que a gente não tem. Mas eu sei lá, se o que a gente não tem é necessário.
- Acho que não é. A gente quer mesmo assim. Mas, você tem razão. Fodam-se as festas.
- E os homens.
- E o tinder.
- E a depressão.
- Vamo embora?
- Tem um boteco na esquina que fica aberto até as 3, o litrão é barato.
Certas profundidades estavam longe de seu alcance, outras estavam bem alí.

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