#projetoartelivre

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Sem abrir os olhos agarrei os lençóis amassados da nossa cama. Aspirei nosso cheiro impregnado no algodão branco. Você não estava lá. Sufoquei teu nome e me levantei.

A.C

Ela era um cometa em rota de colisão com o seu planeta, a ele só restava esperar o impacto dela na sua gravidade.

E quando me dei conta eu já havia tirado a roupa, tirado a alma pra fora e me exposto. Ela me devorava como o fogo à palha seca, e se espalhava. De repente eu era todo ela, sem nem me importar.

A.C

Passei esses dias na cama, e você já sabe o motivo;
fumei uns dois maços por dia, e
bebi um vinho velho que estava na geladeira
comi mal, não bebi água
vi vídeos inúteis no youtube e ignorei ligações
no vácuo de mim mesma,
no vazio gigantesco de meu universo,
retornei à gênese dos planetas
sendo compostos pelo pó das estrelas.
Não há luz emanando de mim,
apenas um resquício da radiação
de uma explosão cósmica, vinda direto
do universo.

Deitada na cama,
perdendo toda noção de gravidade em mim
deixando os pensamentos flutuarem para longe:
eu sou pó das estrelas, e existe um buraco negro, em mim.
Sugando toda luz ao seu redor, a leve luz que viaja pelo espaço
e denso, destrói tudo que encontra, sendo visível justamente por não ser,
sendo incrivelmente belo a distância
a incrível trágica beleza, de tudo que simboliza um fim.

Me desfiz em poesia.

Me refaço em antimatéria.
Me refaço em explosões atômicas
em cada esquina.

Não nasci para rimar.

Nessa hora, o cérebro muda sua química
e abaixa a taxa de serotonina,
vitamina D e endorfina.
Brutalmente, o cérebro se contorce
feito um bicho vivo na panela fervente.
e minha pele é uma roupa apertada
que eu me vejo obrigada a usar,
desconfortável demais para me mover,
justa demais para respirar.

De uma explosão cósmica,
eu sou pó das estrelas.
Me refaço agora, apenas para desfazer no final,
explodir dentro de mim mesma,
uma pequena prova viva da teoria do Caos:
um sistema dinâmico e complexo
instável na evolução temporal.

Tudo se desfaz…

Minhas inseguranças se entalam na garganta,
enquanto grito, tentando recuperar de volta minha autoestima
essa coisa de amar-se por completo é tão difícil
e agora qualquer suspiro é bem vindo.
Quero recuperar o fôlego,
o hoje é só mais uma volta que a Terra deu sem si mesma
quero fechar os olhos, descansar as retinas.
Um último suspiro antes da colisão final
na matéria mais densa, localizada em meu centro
nenhum som se propaga no vácuo,
de encontro ao meu buraco negro,
eu flutuo em meu espaço.

Lembro que sempre tive uma baixa estima de mim mesma. Veio desde pequena, esse sentimento de não-o-suficiente. Minha memória mais viva disso é ter chorado no banheiro da escola, na sexta série. A sala de aula toda gritou em uníssono meu apelido e eu não aguentei. Me vi quebrando em milhares de pedacinhos e os arrastei até o banheiro, onde eu chorei e me perguntei, pela primeira vez, se eu não era bonita o suficiente. Eu certamente não era igual as outras garotas, bonitinhas, em seus corpos magros, cabelo liso e boa personalidade. Eu era quieta, não sabia me portar, não sabia fazer amigos, não sabia dizer a coisa certa. Eu e minha cara séria, meu jeito aéreo, desajeitado.

Não melhorou muito nos anos seguintes quando eu notara que todas as garotas já tinham beijado, menos eu. Lembro de querer, mas ter medo de rirem da minha cara, de algum menino rir da minha cara por considerar um beijo dele. Lembro que um deles riu, lembro que eu chorei olhando no espelho do quarto. Eu era adolescente, e adolescente geralmente sente essas coisas, esse desalinhamento com o resto do mundo, mas eu já era precoce nesse negócio de sentir e eu sentia que não havia lugar para mim, nem entre aquelas que nem lugar tinham.

Enquanto a de outras garotas queimavam, minha confiança era um vela frágil, resistindo a um terrível vendaval. Ela fraquejava, solitária, em algum canto de minha mente, falhando em esquentar o quarto, meu cérebro.

Na faculdade, pude notar que minha personalidade ficou mais forte, não muito, mas eu já não me sentia tão fraca, não me questionava sobre meu valor diante do espelho. Jurei que iria experimentar de tudo, viver de tudo, eu me achei bonita e lembro de ter pensado que eu poderia tocar, pela primeira vez, esse mar que tanto conseguiu mergulhar, enquanto eu não saía da praia.

Minha confiança, queimou um pouco mais forte, clareou o quarto, esquentou meu corpo, meu cérebro. Eu gostei de mim, até ter adoecido.

E então, o quarto ficou no mais completo breu.

Enquanto meu corpo emagrecia pela falta de apetite e eu recebia esses elogios de como eu estava mais magra e bonita, eu me sentia podre por dentro. A vela que flamejava em meu quarto não mais queimava, sua fumaça serpenteava o ar, procurando uma saída. O cheiro de parafina irradiava até meu olfato e eu me senti triste.

Já no crepúsculo da juventude, quase sendo mulher, eu voltei a me comparar com os outros, seus corpos e desenvoltura. A confiança que funcionava quase como um imã, para que todos os olhassem, me faltava. Eu tinha dificuldades nos bastidores, olhando as personagens principais tomarem conta dos holofotes. Meu corpo deixou de ser o problema, talvez o problema fosse todo o resto e a palavra beleza era um conceito que eu não mais conhecia, e eu confundi desejo com amor, admiração. Mas o desejo se dissipa, evapora, queima, e os velhos vazios só fazem aumentar. Mesmo quando melhorei e o corpo mudou. Entendi os elogios como uma forma de quebrar o silêncio e os carinhos como forma de matar o tédio e eu juro ter tentado gostar de mim como eu queria que os outros gostassem.

Minha vela solitária tornou a se acender, mas tímida, corria sempre o risco de apagar. Meu vendaval  era mais forte que seu calor e as janelas estavam completamente abertas. Minha confiança era tão frágil quanto meu ego, sempre faminto. Minha beleza tão derradeira quanto uma noite qualquer e minha pele carregava essas inseguranças que quase saiam dos poros e, gotejavam, deixando um rastro onde quer que eu fosse.

A única coisa que sempre me senti orgulho de fazer foi escrever, estava cansada de lutar contra meu rosto e corpo, eu queria ser lida, minha voz seria o suficiente, o resto era consequência. Por isso o desejo se tornou tão banal para mim, se eu era bonita, não importava tanto, eu apenas queria ser lida, e eu conseguia queimar toda vez que escrevia, minhas histórias são minhas cinzas, que flamejaram pelas madrugadas, em uma vela solitária que conseguiu resistir a mim mesma.

Aqui estamos nós dois
deitamos em uma cama desconfortável
feita de pregos e fantasmas do passado
os erros se arrastam pelo chão gelado
como correntes que se sentem presas
em corpos cheios de pecados.
Deitados de frente para o outro
nos enxergamos pela primeira vez
e nos conhecemos depois de tantos anos
como se antes, eu apenas soubesse teu nome
a cor dos teus olhos e sobre você,
apenas alguns fatos.
A visão é triste, eu confesso
você é um espelho dos anos deixados para trás
quando o amor era o analgésico de um sintoma
de uma doença mais grave
que eu nunca poderia confessar.
(Tudo tem que ser pelas razões certas, até amar.)
Estou quase envergonhada pela melhora que tive
pelas crises que ficaram para trás
enquanto você me diz que está parado em 2017
usando a mesma camiseta velha da culpa
e uma postura que não te serve mais.
Eu estive errada, é verdade
enxerguei suas rachaduras como quem encontra
alguém familiar em uma multidão
e tentei lhe curar, usando como um remédio
minha própria vitalidade.
Pensei em te ligar no mês passado
vi algo na TV e me lembrei de você
e de uma piada nossa que hoje não tem mais graça
lembro de ter ficado preocupada
e na realidade, não posso fazer nada
se meus amores do passado ainda ficam costurados
em algum lugar do cérebro como panos remendados
Pensei em saber como você tava, ainda que eu já soubesse
a resposta. E então haveria um silêncio na linha
porque eu não saberia mais o que dizer
porque aqui estamos nós dois
e enxergando a verdade, ninguém gosta do que vê:
você se lembra que está empacado
e eu me lembro dos erros do passado
e me pergunto se eu já fui algo além de uma distração
de suas próprias desgraças para você.
A tristeza ronda a cama, desconfortável
como uma cobra azulada, da cor dos seus olhos
opacos.
Essa amizade já estava fadada ao fracasso
quando eu senti o primeira sinal de pena, rondando a garganta
e você quase sente raiva, por eu não ter ficado.
(E os olhos se encaram, raivosos
e as retinas inutilmente, batalham.)
Deitados em uma cama feita de arrependimentos
eu lembro que quis curar o incurável
mas os céus seguem caminhando bem acima de nós
e eu finjo não estar desconfortável
quando acendo mais um cigarro
cujo o gosto é demasiado amargo.
Você me conta que agora está internado
que gosta de estar rodeado de pessoas piores que você
eu digo que estou estudando e escrevendo finalmente
aquele livro que nunca começava a ser escrito
você atesta o óbvio “estamos em fases diferentes”
eu não quero soar decepcionada
afinal você não me deve mais nada,
mas eu não consigo evitar de estar totalmente mudada
enquanto você permanece dormente.  
Aqui estamos nós dois
deitamos em uma cama desconfortável
feita de pregos e fantasmas do passado
os erros se arrastam pelo chão gelado
como correntes que se sentem presas
em corpos cheios de pecados.
Mas eu já não me visto com as velhas roupas
e a culpa não me serve mais
e meus olhos passeiam por meu corpo
e eu quase te digo que eu ando em paz
você deveria fazer o mesmo
(Certas coisas ficam só com a gente).
Agora me levanto cansada
o amor agora tem outro significado
algo de leveza e olhares gentis
meu bem,
em certas camas nos deitamos sozinhos
seguimos agora em caminhos distintos
e se servir de algum consolo agora
escrito em algum lugar distante da memória
seu nome aqui jaz.

Chego tarde da noite em casa, as luzes do meu prédio já estão quase todas apagadas, indicando que a maioria já foi dormir. Do portão do condomínio, consigo ver minha janela, com as luzes igualmente apagadas.

Ao fim do estacionamento, que está localizado no meio de dois prédios, existe um parquinho que está aí desde que me mudei para cá. Ele já é bem antigo, e as crianças não brincam nele mais. Suas cores amarelo e vermelha estão opacas e em vários cantos pode-se ver o ferrugem tomando conta. Um dos balanços está quebrado e pequeno escorregador segue por um fio. Eu me dirijo até ele, quando sinto que não quero entrar em casa. Quando sinto que não quero sentir o cheiro do meu espaço, e os móveis dispostos de certa forma. A casa vazia, as paredes sujas. Meu cheiro no meu quarto e a minha cama, que me espera para deitar.

Sento-me em um dos balaços que pode quebrar a qualquer momento, ainda mais com o peso de uma mulher adulta, mas dou de ombros. Às vezes eu tenho pavor de ficar sozinha, pavor de olhar minha casa e sentir que há espaço suficiente para pensar. Tenho pavor de dormir, por isso preciso de auxilio de um remédio. Fechar os olhos, com a cabeça deitada no travesseiro, faz com que lembranças inundem meu cérebro. De olhos fechados tudo parece mais intenso. As lamentações, o peso dos dias, minhas saudades. Eu continuo olhando para o espaço vazio ao meu lado. Eu não funciono bem sozinha. A solidão sempre grita alto demais para mim, não importa o quanto eu tape os ouvidos. Sentada no balanço, eu acendo um cigarro enquanto eu olho para a lua tão cheia e amarela, por entre as árvores. Eu penso que eu não quero subir as escadas. Sentada ali, me sinto confortável balançando, levemente, para frente e para trás.

Eu sou cheia de medos e inseguranças que quase se sobressaem na pele. Nesses momentos, sem ninguém a minha volta, eu assumo que sou frágil. Uma vez me disseram que eu não pareço insegura. Talvez pela forma que converso, talvez pela forma que me porto. Talvez seja as últimas fotos postadas nas rede sociais. Tudo para fingir bem. Me esconder bem. Tudo para não estar sozinha, sentada no velho parquinho do prédio.

Meu cigarro queima rápido demais e não demora a eu jogar a bituca no lixo. A vontade é acender outro. Eu estou fumando demais. Vivo sobre a ajuda de coisas externas. Antidepressivos, controladores de humor, indutores de sono. Cigarro para acordar, depois do café. Cigarro para pensar. Um calmante se eu tiver um crise, cigarros também para aguentar crises. Sexo se estiver me sentindo sozinha. Talvez uma balada. Eu não me basto. Café para acordar e curar a ressaca. Álcool para me divertir, talvez outras drogas, dependendo do tamanho do estrago. Tudo para tentar possuir por mais tempo uma felicidade que nunca foi minha por direito. Terceirizando os serviços que eu deveria fazer por mim mesma.

Tudo que vai contra ao que aprendi na terapia.

Me balanço um pouco mais forte, e o rangido das correntes começa a ecoar por todo o estacionamento. Agora, consigo sentir o vento contra meu rosto e meus cabelos esvoaçarem contra o impacto. Eu queria estar confortável dentro de mim, mas me sinto apertada dentro dessa pele que parece mais uma roupa justa demais. Não é questão de chorar mais, é uma questão de um entorpecimento a longo prazo. Agora estou indo mais rápido, eu quase me sinto tranquila. Quase não penso em mais nada. Quase… Agarrando essa frágil paz pelas mãos.

Naquele sábado eu havia ido para uma balada sozinha pela primeira vez. Verdade seja dita, eu só não queria voltar pra casa, pegar o metrô e olhar pela mesma paisagem e notar aquele sentimento de vazio, feito vespas caminhando em meu estômago, com suas patinhas leves e seus ferrões afiados. Fui sozinha, a vontade era só dançar, ouvir alguma música e dançar até que o corpo todo estivesse suado e eu pudesse de alguma forma me exorcizar na pista de dança.

Já cheguei e comprei uma cerveja, só para não ficar de mãos vazias, já que eu não tinha com quem conversar, se bem que é fácil puxar conversa fiada. Só é cansativo se forçar a isso. Querer parecer que você está fazendo alguma coisa: conversando, beijando, fumando, bebendo. Beber e fumar só trazem malefícios a longo prazo. Dá pra lidar com isso, eu consigo aguentar as consequências. Forçar-se a socializar por outro lado…

Fui para a pista de dança e já tocava uma artista indie de Pernambuco que eu adoro, misturando um eletrônico com uma espécie de sofrência que eu juro, faz todo o sentido ouvir assim, na solidão. Solidão pura, quando você é o único ser em um local que não está com ninguém. Dancei! Dancei por duas horas seguidas misturando cerveja e gin tônica. Saindo, por vezes para o fumódromo e trocando algumas palavras com algumas pessoas, nada interessante. Era algo como piadas sobre o público jovem ou alguém me perguntar meu signo embora eu já esteja na idade de que signo não me importa, mas eu respondo: peixes, ascendente em gêmeos, lua em áries e meu vênus é maravilhoso!!! Áries também. Ai cara eu odeio pessoas de câncer, blá blá blá. Me dou muuuito bem com pessoas de leão, etc.

A cerveja rapidamente ficou quente, e o gelo da gin tônica derretou no copo e tornou o drink aguado. Logo fiquei entediada, em algumas duas horas descobri que não sou uma dessas pessoas que vão em balada sozinhas. Talvez eu não seja uma dessas pessoas que conseguem ir com calma em uma coisa de cada vez, ou esperar a coisa ficar melhor daqui trinta, sessenta, oitenta minutos. Talvez eu apenas não consiga esperar a música ruim do set passar e o próximo DJ ser anunciado. Eu me entedio rápido, eu fico de saco cheio rápido, eu só perdi a paciência.

Talvez, só talvez, essas coisas meio triviais ou têm que ser boas ou não fazem sentido. Eu perco a vontade, o tesão. Falando em tesão… no meio da madrugada resolvi mandar mensagem para um desses caras na lista do whatsapp, gente que eu sei que faria o mesmo comigo, que talvez eu não tenha sentido essa conexão profunda, que talvez me salvassem dali, ou me oferecesse algo melhor pelas próximas horas.

Joguei um verde, disse que a balada estava ruim, mas cara, é caro ir daqui até minha casa de uber, acho que vou ficar aqui nessa tortura pelas próximas horas. O cara pergunta quanto daria um uber e eu digo: é caro. Faço um drama, mas me mantenho engraçada, reclamo um pouco do lugar, mas elogio o som. É só que aqui só tem criança. Ele não demora a oferecer para pagar um uber da balada até sua casa: você pode dormir aqui, se quiser… Mas eu não finjo dúvidas, eu já aceito.  

Não é cansativo, essa insatisfação crônica? Esse vespeiro em algum canto do cérebro que te faz querer pular na próxima cama, usar a primeira droga, se recusar a largar a festa? Eu que o diga…

Chego no prédio e subo o elevador. No caminho, andares acima, tento retocar o batom no espelho e arrumo meus cabelos e me pergunto se estou bonita. Sabe, eu tenho pensado nisso esses dias, na beleza e eu não ando muito feliz comigo, mas eu juro tentar deixar isso em casa, pra ninguém conseguir farejar por aí.

Ele me espera na porta do elevador, sorrindo. Camiseta velha e samba canção. Me dá um abraço apertado, elogia meu cheiro e abre a porta de sua casa para eu entrar.

Sentamos no sofá, enquanto ele me oferece uma cerveja e eu retiro os sapatos que agora me incomodam. Eu o encaro alguns segundos, há um sorriso no canto de seus lábios, talvez esteja com o ego lá em cima: olha só a surpresa dessa madrugada de sexta-feira! Talvez esteja feliz em me ver. Seu sorriso convencido me irrita um pouco, mas eu juro deixar isso pra lá. Não quero analisar demais isso aqui e logo começamos a conversar sobre francamente qualquer coisa, a conversa não é muito profunda e eu me peguei prestando mais atenção na música meio brega que ele colocou pra tocar no spotify. Eu não quero soar escrota, é só… Estou tentando praticar essa coisa nova, de não colocar importância em tudo.

O enxame no meu cérebro começa a zunir novamente. Sinto picadas em meu crânio e algo me diz que o velho tédio está voltando, voltando a formigar no corpo e me fazer duvidar se isso era uma boa ideia, talvez não. Provavelmente eu não voltarei me sentindo muito feliz amanhã.

Mas agora ele diz que está com sono, quer ir pra cama. Eu aceito, e não acharia ruim se apenas dormissemos, talvez fosse até melhor. Talvez fosse mais sábio, mais maduro, menos covarde. Só deitar e dormir, sem transar apenas para matar alguma coisa que segue se movimentando pelo meu corpo. Quando nos deitamos ele me beija pela primeira vez, e sua boca tem gosto de pasta de dente, a minha, provavelmente, de cerveja. Ele rapidamente tira a camiseta que eu havia acabado de colocar. E nada é dito, enquanto ele beija meu corpo e é só aí que eu esqueço que minha mente se comporta como uma colméia em caos.

Enquanto minhas pernas estão entrelaçadas em sua cintura e ele coloca a camisinha, olhando para meu rosto, iluminado pela luz que irradia da janela, eu respiro fundo e fecho os olhos. Seu pau é a droga que faz minha mente sair de sintonia, onde uma tela preta se instala entre eu e meus pensamentos, minhas agonias e angústias e essa vontade visceral de apenas ter algo real nas mãos. Eu quase esqueço quem sou entre os gemidos e as mãos que passeiam entre curvas cabelos, barba, boca. Talvez minha psicóloga tenha razão, eu uso o sexo como válvula de escape. O sexo é intenso e rápido, gozar ou transcender não estava nas expectativas de qualquer forma. Mas minha pele está vermelha e minha mente se acalma.

A putaria logo me faz dormir, mais tranquila. Eu chego a não ter nem pesadelos.

Acordo no outro dia antes dele. Faz um baita Sol lá fora e ele ronca baixinho, apoiando a cabeça em uma das mãos. Me levanto, tomo uma água, me visto e o acordo: dia cheio, preciso ir pra casa. Ele me leva, sonolento até a porta, nos despedimos com um selinho e eu caminho até o metrô. Não sentindo nada, essa falta do sentir quase machuca, quase perfura, mas não chega a tanto. Não sangra, não dói. Só incomoda, é quase um câimbra dos sentidos. Não há música triste de fundo, não há dores para sanar. Só uma ressaca, uma sede, uma fome que não são apenas literais.

Você adora mulheres louca, não é? Dançando despreocupadamente, na pista de dança, com as mãos no quadril, enquanto riem umas para as outras, gritando: “amiga, eu adoro essa música!”. Você adora mulheres que gostam de uma cerveja em um boteco, mulheres sem frescura, que topam de tudo. Que têm assunto para varar a noite naquelas cadeiras de plástico, com aquela cerveja barata, quando o assunto rende e segue suavemente feito nuvens do céu e o próprio céu que se transforma em milhares de tons de azul escuro até clarear gentilmente e ter sua escuridão partida pelos raios de Sol da manhã.

Você simplesmente ama essas mulheres. Mulheres de opinião, que dizem o que sentem, o que querem, o que odeiam. Que pensam, que querem algo maior da vida além da tediosa banalidade e que têm coragem de enfiar a mão mais fundo, porque não há nada mais chato que o superficial. Você simplesmente adora falar sobre o mundo, música, política, filmes e cultura, sobre a sociedade e religião, sobre arte… Falando em arte, você não adora as artistas? As mulheres que escrevem, pintam, e desenham, aquelas que tocam e cantam, que declamam suas poesias ou escrevem timidamente em seus quartos. Mulheres livres, você uma vez disse, mulheres loucas que são verdadeiras. Que sabem se defender, que não respondem a ninguém. Mulheres que parecem um conceito de um filme, aquele tipo artístico, engraçada, complexo, cabelo colorido, tatuagens e personalidade transbordando pra fora. Aquela que vira o rosto para você e num sorriso, te faz ter uma outra percepção de vida, porque elas, sim, seriam alguma coisa como um oráculo, um altar, um templo, uma reza.

Um orgasmo.

Talvez fossem melhores na cama, você pensou. Essa liberdade toda trazia menos timidez, mais desenvoltura. Não existe medo, né? De tentar coisas novas, Esse calor da pele, que chega queimar quando toca, e toda a disponibilidade de não pensar duas vezes antes de fazer algo porque quer. A liberdade que parece ter sido escrita em um livro, a personagem que só existe para libertar o mocinho. Você, um personagem que deveria ser salvo, conhece uma mulher maluca pelas ruas do centro e têm a vida transformada porque ela sabe dizer a coisa certa. E na cama? Ela tem experiência, ela não nega nada, e ela quis cuidar de você.

Você disse que elas são um tesão. Você queria uma mulher de verdade. Uma mulher de verdade do tipo que te olha nos olhos e sorri, fuma um cigarro depois da transa e diz que você é bom demais nisso.

Mas não pra sempre.

Você quis a salvação, o caldo doce da fruta. Você quis dançar com elas nas festas, entrar no meio de seus beijos e talvez, até ler suas histórias, seus poemas, não toda a obra. Você quis a noite de bar, as qualidades que emanam dos poros, as primeiras boas impressões. Primeiras boas impressões, era isso que você queria, nada tão importante, mais como um prólogo de um livro bom pra caramba. Um livro denso pra caramba, longo. Se você ao menos puder catar tudo de bom que ela te oferecer nesse primeiro e único encontro…

Mas você adora mulheres loucas. Essa loucura sexy que te impulsiona a ser um homem melhor, um homem mais culto, mais experiente. Você curte essa selvageria que você nunca pôde domar, não que você tenha tentado e não que seja possível, talvez você não durasse duas semanas. Talvez seja muito para lidar, muito para entender. Você entendeu do jeito que quis: um tesão. Do mesmo jeito que você achou aquelas duas mulheres se beijando no meio da festa. A mulher que se senta com você no boteco e que vem para a sua casa, transar no primeiro encontro. Essas coisas modernas. Essas mulheres que parecem sair de um filme, sabe? Existe alguma coisa de força ou complexidade, algo que você não pôde tocar completamente e que te atraiu, mas você não soube o porquê.

Você disse que gostava de mulheres de verdade, mulheres livres…

Talvez não por muito tempo, só uma noite, a cada quinze semanas. Algumas horas, até a hora do metrô abrir, até a loucura continuar, até a droga continuar fazendo efeito, até que você goze. Até que não seja real demais, sincero demais, profundo demais.

Não que você separe mulheres para transar e casar, é só que você acha mais fácil manter o relacionamento com a sua namorada da adolescência, daquela cidadezinha do interior. É só mais fácil de entender. É mais tangível. Não existem tantas camadas e medos de dizer a coisa errada, de agir de forma equivocada. Você prefere que a mulher ao seu lado concorde com o que você diz, e como age. Você quer que ela te ache tão inteligente, talvez até saia com meninas mais novas. Não é melhor? quando te olham com esse vislumbre de admiração e quando elas pensam: “ele é tão interessante, e curte filmes cults como Clube da Luta e aqueles do Tarantino!”. Você não quer correr o risco de ser um babaca, é melhor não se aproximar demais, não conhecer demais, e só lavar os pés. Você ama, mulheres modernas, mas talvez não dê conta. Talvez não acompanhe o papo que segue com as transformações da noite, talvez o seu papo não dure tantas noites, não sobreviva ao boteco, e seus passos na pista de dança sejam ensaiados demais. Talvez elas notem, talvez olhem para a insegurança escondida embaixo da pele, o ego frágil que soa pelos poros, o sexo breve e triste. Quem sabe elas não estejam rindo de você? Melhor ficar seguro, nas bordas, onde a água toca só os joelhos, nada tão profundo, você quer ter o controle.

Parecia mais um personagem de um filme, né? Essas mulheres malucas, cheias de questões e opiniões, cuja beleza você não soube muito bem explicar, mas estava ali. Um filme cujo mocinha é transformado por essas mulheres. Excêntricas. Exóticas. Livres. Difíceis. Malucas.

Suas histórias tristes talvez não te interessem talvez sejam tristes demais, suas opiniões muito profundas ou talvez você apenas não consiga acompanhar. Você queria ser salvo, sem ter que investir muito, sem ter que doar muito, sem absorver demais. Quase uma terapeuta, quase uma messias. Você adora mulheres loucas, o conceito, a desenvoltura, a complexidade, mas jura sentir um alívio quando elas vão embora pela manhã.

Cai logo pra dentro. Levanto a cara e abro a boca, tentando engolir os pingos grossos da chuva. Me desespero um pouco, me vendo sozinha na rua vazia, as pessoas estão dentro de suas casas, esperando a tempestade passar. Eu não quero ter medo de me molhar, ou estragar minhas velhas botas e a maquiagem que agora está borrada.

Sinto que minha consolação é a coragem de ter tentado ainda que nunca de em nada ou que o esforço não pague no final, eu me vejo sozinha na chuva.

Cai logo pra dentro. Essa gana de sentir na pele, a intensidade de apenas querer estar viva, ainda que viver seja bem diferente de apenas existir. Meus olhos ardem com mais uma gota d’água que se mistura com o rímel e irrita minha retina. É tarde demais, eu já estou ensopada, tarde demais para se ponderar se eu deveria ter deixado o guarda-chuva em casa e a velha prudência entediante de antes. Tarde demais para me perguntar se eu deveria ter deixado encostar bem na carne, além da pele, onde mais arde, onde a água bate, e a ferida sente. Tarde demais para fingir que me arrependo.

Não quero me arrepender. Não quero caminhar na rua olhando para trás, me abraçando de frio, me sentindo uma criança boba, emocionada pelo primeiro banho de chuva. A água não faz milagres, a sujeira sempre acaba indo para outro lugar, escondida nos esgotos e empilhada nas poças que se formam no meio da rua. A água não faz milagres, mas eu ainda fecho os olhos, feliz por ter me deixado sentir algo ainda que a brisa gelada faça minha pele urrar em arrepios. Essa não é uma chuva de verão.

Cai logo pra dentro. Essa eterna desilusão com a realidade, nada saiu como eu esperava e eu encontro um conforto nisso, caminhando na rua, esperando que a enxurrada não me leve, mas eu não quero ir contra a corrente, não mais. A chuva é intensa, as árvores quase sucumbem ao vento, o barulho do vendaval chorando sussurros desconexos para mim, e eu apenas quero sorrir pra essa força. Me lembro de quando eu era criança, brincando no quintal de casa, achei graça enfiar minha perna num formigueiro, na pequena moita perto da porta da cozinha. Chorei quando as formigas subiram na perna, picando seu caminho acima, a gente faz essas coisas idiotas pra experimentar, pra sentir como é o barato; e minha mãe veio correndo me acudir, perguntando o motivo de eu ter feito isso. A gente não sabe o motivo pelo que faz nada, a gente só faz. A gente só vive porque quer sentir o que é estar vivo, cai pra dentro essa vontade de me arriscar novamente, por amor, por realização, para me colocar no mundo ainda que o vento abafe mais um grito que escorrega de minha garganta.

Não há pássaros na chuva, nem as pombas sujas da rua, nem os ratos que caminho pela sarjeta. Não há paz virando a esquina, eu não quero ter paz. Eu não quero a tristeza de ter paz, às custas do medo e da eterna pergunta do que seria. Cai logo pra dentro essa vontade de jogar nos braços do impossível ainda que eu dê de cara com o chão, do salto do precipício rumo às pedras na beira da praia. Vejo beleza na coragem da loucura, vejo beleza nas cicatrizes do meu corpo, no grito na hora da raiva, nas unhas cravadas nas costas da intensidade do gozo. Vejo beleza no desastre que se permitiu ser.

Cai logo pra dentro. Essa bagunça que eu sei que me tornei, minha personalidade forte, quase que insuportável, e as manias chatas, a sinceridade de cortar aquele ótimo e superficial clima. Cai logo pra dentro, na boca da alma, na garganta do estômago esse pingo de chuva gelada. Eu caminho no meio da rua, minhas ressalvas se desfazem, o açúcar que esconde o verdadeiro sabor das coisas, se desmancha na chuva. Não quero pensar duas vezes antes de dar o próximo passo, quero a coragem de ser quem eu sou, seja lá que porra isso signifique.

Eu não sou tóxica. .

Você me diz isso.

Bom, eu deveria acreditar em você.

Mas em ti despertei os piores sentimentos, me perdoa por isso?

Lembro do seu questionamento perguntando o motivo pelo qual fiz isso.

E eu não sei, poxa.

O vazio dói a alma, por favor volta a preencher meu peito.

Evillin Ribeiro.

Pois é amor, eu saí da caverna e descobri a minha própria luz.

A ti, serei eternamente grata por ressignificar a minha existência.

Evillin Ribeiro.

Lembranças, 2020.

Você foi embora.

Me viu alí parada no canto da sua varanda, frágil, insegura e com medo.

Mas foi mesmo assim.

Fechou a porta, proibindo qualquer tentativa falha de questionamento e sem o direito de fala.

VOCÊ ME SILENCIOU.

Me deixou.

Me excluiu da sua vida.

E infelizmente ainda permaneço aqui! Na sua maldita varanda, sozinha.

Evillin Ribeiro.

Você parecia real,

Estávamos nós, embaixo do nosso céu estrelado em uma dessas noites aleatórias, juntas.

Você com seu cabelo levemente preso rindo das minhas piadas sem graça, até me fez acreditar que meu senso de humor é ótimo!

Sua percepção é incrível ..

A noite refletia em seu rosto, seus olhos brilhavam na mesma intensidade que os meus, não existia tempo ou pressa que nos fizessem querer sair dali.

Era o nosso lugar.

Você falava e falava sobre tudo amor, peço perdão estava tão paralisada naquela imagem que quis memorizar cada detalhe do seu rosto, e você é tão linda criança.

Amo cada contorno que você tem, amo cada detalhe que você não vê beleza, mas que me trás puro êxtase e excitação.

Como não te amaria eu?

Seria improvável, eu a amaria mesmo que isso culminasse minha destruição. Isso é nós, é nossa maldita linha tênue.

A sobriedade me tira de você e só resta abismos e imagens que crio freneticamente, você parecia tão real.

Tão real..

Tornei-me dependente da minha loucura.

Nós já existimos?


_Evillin Ribeiro.

A gente morre um pouquinho todas as vezes que jura não criar expectativas que já foram criadas.

Te ver e não te encontrar, dói.

Te ouvir de forma superficial meus questionamentos, é angustiante.

A dor cobre os seus olhos de amor e transcende o vácuo agora habitado neles,

As suas crises constantes, são as minhas crises quando encerro a nossa chamada porque do outro lado não encontro a minha pessoa,

E eu queria lhe contar tantas coisas, juro que queria falar sobre meus medos, desvaneios, sonhos.. mas acho que não teremos tempo para isso.

Mesmo que a fé ande em uma linha tênue, ainda estou aqui rogando diariamente:

“Por favor, só mais um dia”.

Mas um dia pra nós..

Mas um dia pra nós, mãe.

Sinto muito por não ser o que quer.. mas como poderia viver sem você?


“Se eu podesse mataria o que está te destruindo .. mas não consigo! Então morrerei com você”.

Você me escondeu e nos escondeu, para divulgar-se a ela.

Evillin Ribeiro.

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