#projetoreconhecidos

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Veja bem, não é que o mundo não tivesse cores antes de você voltar, é mais algo como, como posso explicar… é como se de repente eu fosse jogada num quadro de Van Gogh, sim, aquele dos girassóis, sabe. Pois é, é um pouco isso, desde que você voltou o mundo anda mais iluminado, mais radiante, menina. Talvez seja esse seu sorriso largo que tudo ilumina, talvez sejam só meus olhos sempre tão abertos pra te ver passar, desde que você voltou…

[Angelina C]

Senta aqui, menina, vamos escutar a noite chegando e esse céu azul mudando de cor. Vamos escutar o som que as cores tem, esse farfalhar de folhas barulhando, e de céu alaranjando no entardecer. Vem cá, presta atenção, ouve, que lindo, esse contraste entre a tua pele morena e minhas manchas brancas nas cores do anoitecer…

A.C

E eram dias de sol
Tardes de inverno
Noites de luar
Folhas no chão
Flores a brotar
Cores pra pintar
Teus desenhos
Colorir
Pijamas de vestir
Olhos de sorrir
Beijos pra beijar
Tua boca a me fitar
Teus olhos a me despir
Mãos pra abraçar
Nossos sonhos
Distraídos
De outono
Primaveras
E ela a dizer
SIM

A.C

As mãos dela descreviam linhas tortas em minhas curvas brancas, poemas, escritos com seu suor na minha pele fria…

A.C

E quero todo dia teu sol no meu céu, laranja, acordando a madrugada…

A.C

O sol rompe o dia 
Iluminando a janela
Cor púrpura boreal
Clareando nova era
O céu era eu
E a aurora era ela

A.C

Nem só de primeira vista nasce um amor, eu gosto mesmo é destes que fazem a gente virar a cabeça todas as vezes que passam, até que ficam.

A.C

No breu do meu quarto tateio a procura do teu corpo, às minhas mãos finas restaram somente os lençóis frios do seu lado da cama.

[fragmentos - desde que você se foi]

A.C

Era o próprio absurdo
Tua pele nua,
Folha seca,
Repousando leve
No chão da sala.

sobre coisas que eu aprendi depois que passou a paixão e que todas as mulheres deveriam saber.

o encantamento da paixão, embora seja bom sentí-lo, nos cega de ver a verdade. e não tem Cristo que te faça mudar de ideia. por diversas vezes me avisaram sobre determinadas pessoas, mas eu estava apaixonada. não acreditei nelas. acreditava que o amor estava presente ali, mas amor é bem diferente de tudo.

eu sempre fui uma pessoa bem fechada e reservada, inclusive com namorados. quanto mais um homem (e sim, vou utilizar a palavra homem) sabe a seu respeito, mais manipulável você é. ainda mais se você não teve muitos amores na sua vida, será ainda mais fácil para ele se “fazer de homem dos sonhos”, afinal você não tem muito com o que comparar, certo? certo. você ainda não viveu o suficiente para saber distinguir o véu do encantamento que ele te joga todo santo dia versus o amor. digo mais uma vez, o amor é bem diferente.

ele vai te dizer que entre todas você é a mais linda, que você é a única e mais um monte de coisas - as quais vão te deixar hipnotizada e maravilhada, tudo porque quer te dizer aquilo que você e sua consciência querem ouvir. essa é a técnica infalível: massagear o ego. e a verdade (nua e crua) é que nada do que ele faz pra você hoje é único. ele já fez para outras as mesmíssimas coisas. ele te faz parecer especial, assim como todas se sentiram especiais antes de você. ou antes de descobrirem a verdade sobre as reais intenções dele.

pior ainda se ele faz parecer que todas as outras foram loucas e insuficientes. nada pior do que um cara que fala mal das namoradas anteriores. mas ele quer te exaltar, e por isso vai rebaixar outras mulheres. isso não é legal. mas você vai sentir um ar de superioridade e nossa, como eu sou capaz de fazê-lo tão feliz e satisfeito como ninguém! a sua sororidade vai cair por terra, mas não porque você não respeita as outras minas, e sim porque o encantamento mais uma vez te cegou. já foi assim comigo, e eu sei que isso acontece com várias outras.

ele não quer te perder. agora que ele sabe que você está sob encantamento, ele precisa de você ali para satisfazer os seus desejos, pra dizer que tem alguém e pra manter o ego inflado.

ele te fala coisas bonitas? ele me falou coisas maravilhosas que ninguém nunca havia falado. ele faz de tudo pra te manter satisfeita na cama? pois bem, ele se dobrava em oito para me manter feliz na cama, e conseguiu por várias vezes. ele te leva café da manhã na cama e cozinha pra você? te deixa escolher o que quer fazer? diz que quer fugir com você? que quer casar com você? nada disso é diferente do que ele já fez e do que faz. mas o encantamento faz parecer que sim. faz parecer que finalmente você encontrou alguém disposto a amar você, e exclusivamente você. e que está entregue totalmente. mas é tudo manipulação. é bem capaz que ele crie um afeto, afinal impossível sair imune de uma convivência. mas amor? amor não, amor é bem diferente.

a gente tem a mania de se agarrar no mínimo de apego só pra ter o que sentir. é inerente do ser humano, precisamos ser amados ou sentir que estamos sendo amados. por isso vamos nos agarrar em qualquer vestígio de apego. e essa é a causa de todo sofrimento, quando você acreditava no príncipe encantado e depois o véu do encantamento finalmente cai.

você é tratada como rainha? sim, para que pense duas vezes antes de desconfiar dele. você é tratada como rainha para que ele te tenha nas mãos. para que o perdão venha mais fácil nas horas difíceis. e para que, antes de tudo, você pense que a história que vivem é como um romance nos filmes.

ha-ha-ha.

é triste. é abusivo. e ninguém vê a abusividade quando disfarçada de “amor”.

quando alguém tentar te avisar, você vai julgar como inveja ou loucura, e se perguntar: por que alguém tão apaixonado estaria me enganando? impossível. justo ele que faz tudo por mim? diante de tudo que me diz e de todas as promessas feitas? ah não.

é o que eu digo. tratar como rainha e massagear o ego funciona como mágica e feitiçaria. se você nunca teve isso, piorou.

você vai acreditar que ele também é único, que não haverá outro “amor” assim. que ele faz você se sentir como nunca antes. minha avó dizia que te fazem de bobo até você entender a vida como ela é. aprendi com os mais sábios e os mais velhos todo o sentido. as pessoas te fazem de tola porque você ainda não viveu muito, ou simplesmente porque você já contou a elas tudo o que viveu e elas vão fazer um pouco melhor que isso, só pra fazer você ficar.

como dizia Descartes, “desconfiar de tudo era a única coisa no qual ele estava absolutamente certo”.

cuidem-se com esses caras. esses que fazem você perder o chão e a cabeça. tem sempre alguém lá fora, de coração enorme e bom, cheio de amor de verdade pra dar. tem sempre alguém que pode fazer muito, muito mais por você. não aceite desculpinhas, não aceite traições, não aceite menos do que você merece. esse encantamento que você acha que é amor vai doer só no começo, isso se chama desilusão, e é ocasionado pela destruição de um monte de coisa que você viu como “enorme”, mas existia só dentro da sua cabeça. e não foi sua culpa, te levaram a pensar assim. e quem fez isso, não merece você.

não mais. não agora. e nem nunca.

eu não teria te conhecido se você não quisesse. na verdade, tudo aconteceu porque você me encontrou. eu sempre vivi aqui, na minha órbita, muitas vezes sozinha mas sempre feliz. você me viu e pesou seu olhar sobre mim uns segundos a mais do que deveria. então numa noite quente você veio até mim. eu deixei, é claro.

você me perguntou várias coisas como quem estava com sede no deserto e encontrou um poço de água potável. como quem quisesse descobrir quem eu era no mundo, como se quisesse descobrir meu mundo todo. mas eu nunca fui um livro aberto e me tornei o seu desafio mais prazeroso. eu nunca fui de falar muito e isso te deixava louco porque você queria sempre mais. e por isso mesmo acabamos passando algumas horas a mais juntos, dia após dia. quem sabe você conseguiria mais de mim com mais tempo? era isso, não era?

perdi as contas das vezes em que reclamou do meu jeito recluso, esse de não deixar ninguém entrar facilmente, esse de não deixar ninguém ler minha mente. eu não te contava tudo e você sabia. isso te enlouquecia, eu via no olhar feroz que você lançava sobre mim sempre que eu me negava a iniciar alguma historia. eu desabrocho na escrita porque é seguro. porque eu sei até onde ir e quem pousará os olhos sobre ela. mas não estou acostumada a desabrochar para as pessoas.

eu sei que não será sempre assim, um dia eu vou sentar com alguém em um lugar qualquer, vou olhar nos seus olhos com firmeza e prepará-lo para ouvir toda a minha vida. como uma entrevista com um vampiro. e quando eu acabar, ele me olhará maravilhado com tudo o que escondi por décadas e então o deixarei. não posso viver lado a lado com quem sabe me ler dos pés à cabeça. a graça reside na curiosidade, em saber um pouco de mim lambendo meus dedos, me forçando contra a parede enquanto morre em meu pescoço ou na minha lombar, me comendo com os olhos e em cima do sofá, me surpreendendo pra entender minhas reações, e me deixando ir quando entender que eu sempre serei assim, uma criatura que vem do espaço e que vez ou outra um humano a conhece, e depois disso ela desaparece e vira lenda.

eu sou como uma lenda.

sinto vontade de dormir e não te ver em sonhos. esperando acordar em um mundo onde você não exista. onde as ruas não têm um passado, músicas não têm nenhum significado especial e as pessoas não perguntem sobre nós.

desejo acordar em um mundo sem estações, sem o calor ardente de janeiro e onde a névoa na janela não esteja contaminada com seu nome.

gostaria de acordar em um mundo onde o amor fosse aproveitado, onde o derramassem em copos de vinho e bebessem as melodias de loucura.


as pessoas deveriam saber que olhar nos olhos do outro e ser honesto, apesar de nem sempre ser fácil, é o gesto mais bonito que se pode fazer por alguém. quando tiver a oportunidade de ser honesto, seja. não fuja, não dê as costas e não vá embora sem dizer nada. sem dizer as suas verdades e sem ouvir as verdades do outro. a vida passa num sopro, como o vento, e é nesses detalhes que a deixamos escorrer pelos dedos como areia. depois disso você até pode ir embora sem dizer adeus. mas antes, só seja honesto.

eu lembro de quando você disse que meu sorriso te encantava. e eu achei aquilo esquisito porque eu não gosto do meu sorriso. mas você gostava. e quando você me levava café na cama costumava dizer que eu era linda pela manhã. e eu achava aquilo esquisito. não acreditava direito em você, por que como é que pode? eu me acho super estranha pela manhã, os olhos inchados e um pouco de olheira, boca inchada, cabelos desgrenhados e em pé. você também dizia que meus seios eram lindos. os mais lindos que você já tinha visto na vida e que eles deveriam ser usados como moldes. eu ria.

“você não entende?” você dizia pasmo e incrédulo que eu não acreditava muito em ti, “os seus seios são os mais lindos que eu já vi na vida. eles são perfeitos. deveriam ser usados como moldes. tudo tem simetria. você já percebeu a geometria do seu rosto? às vezes eu me perco prestando atenção nas diferentes formas dependendo do ângulo que você está olhando. parece que foi desenhado à mão. e tem essas pernas longas que eu adoro… quando te vi só com minha camiseta e essas pernas longas de fora, eu fiquei louco”.

e eu ria, ria, ria…

nós não teríamos nos conhecido se você simplesmente não tivesse vindo até aqui naquela noite, cansado depois de um dia de trabalho. afinal eu continuaria vivendo no meu universo particular, como sempre vivi. aqui bem distante de todos e do mundo. sempre focada em mim.

você não teria que me pedir em namoro se não quisesse. poderia ter sido só um encontro casual. naquele dia eu saí dizendo pra mim mesma “não vou transar no primeiro encontro, não vou transar no primeiro encontro”, mas daí a gente se olhou e estávamos perto o suficiente pra faísca virar chama. e tudo pegou fogo.

você cuidadosamente quis conhecer todo o meu corpo, um dia após o outro.

você não teria que ter vindo todas as vezes. e nem eu. e você não teria que ter se espremido pra caber na minha cama pequena naquelas noites pra dormir comigo.

você não teria que ter me visto quase todos os dias da semana. você não teria que me convidar pra morar com você. e se eu tivesse dito sim?

você não teria que ter feito nada, de tudo. mas você fez. e o fim foi como uma peça de teatro, onde a cortina se fecha e bum!, tudo acaba. e o público fica boquiaberto se perguntando “mas é assim que acaba?” ou ficam em dúvida: será que já acabou mesmo?

a vida é estranha. as pessoas fazem muito, por um tempo, pra no fim não fazerem nada. absolutamente nada.

agora eu me pergunto: de que vale tudo?

eu tive um sonho onde eu corria de você. corria tanto que eu mal respirava. foi bem no dia que eu decidi ir embora de você, pra sempre. e eu sei que pra sempre é uma mentira (quase sempre) mal contada, porque um dia a gente irá se esbarrar e o filme na minha cabeça vai voltar em câmera lenta. mas até lá, saiba que fui embora. saiba que a cada dia eu me esforço pra dar um passo maior que o último.

é incrível como alguém sempre erra comigo. e dessa vez foi você. e dessa vez o erro foi grotesco. e dessa vez você foi covarde. e dessa vez não teve a coragem de me olhar nos olhos e pedir perdão. ou sei lá. dizer qualquer coisa que fizesse tudo parecer menos pior.

e por isso mesmo, eu fui embora de você e doeu. e você não merece um pingo dessa dor, mas doeu. aprendi que partidas sempre irão doer, mesmo que a pessoa que você esteja deixando não mereça a sua permanência.

doeu porque eu senti muito. e não, eu não me arrependo. eu sou assim e sempre serei assim. amante dolorida. doeu porque tudo o que vivo é real. doeu porque dentro de mim reside a alma de um poeta de oitocentos anos.

e vai doer, até não doer mais. até o dia em que eu parar de correr e encontrar um horizonte vermelho alaranjado, iluminado pela luz do último sol de um verão qualquer.

eu vou me lembrar de você. como quem olha uma chaga e sabe muito bem como se feriu e porquê se feriu. mas não vai doer mais.

e quando esse dia chegar, você estará do outro lado do mundo, vivendo essas suas verdades e mentiras de garoto imaturo. ou não. talvez até lá você cresça metade do que eu cresci. talvez você seja feliz, verdadeiramente. do jeito que eu quis que fôssemos. ou talvez você estará do outro lado do mundo, sentado sozinho na sua cama, imaginando pra onde eu fui. tentando entender como eu recolhi todos os cacos depois da queda. pensando se vivo, se amo, se sou feliz. repassando na sua cabeça todas as nossas memórias, o meu sorriso tímido e todos os nosso diálogos. talvez você sinta a culpa pesar sobre os ombros quando perceber que eu sempre estive ali, na minha mais pura e honesta forma. talvez você chore ao se lembrar de todo o sofrimento que você causou a alguém que só queria o seu bem. talvez você sorria, porque eu sei que apesar de tudo, nós vivemos coisas muito bonitas. e pra ser sincera, eu espero que você sorria.

hoje eu não sei se te perdoo. enquanto corro, não dá pra pensar muito. enquanto cresço e amadureço às vezes te perdoo, noutro dia não sei. a cabeça vive embaralhada demais.

mas quando eu finalmente chegar no lado oposto da Terra ao seu, saiba que eu me lembrarei de você. e não sentirei um resquício de dor. e eu cantarei o perdão a você e a mim mesma aos quatro cantos da Terra. e será só eu comigo mesma. e eu serei completamente minha, e completamente feliz.

eu espero que você seja feliz também.

às vezes eu me pergunto, assim, mentalmente: o que levaste tu a me trair?

somos livres. poderias tu ter o que quiseres. bastava tu me deixares ir. bastava só uma palavra, um aviso. vou-me embora, tu terias me ouvido falar. com o coração pesado e triste, como quem carregarias uma mala pesada sozinha, mas vou-me embora. seja tu livre que eu serei livre também. fique tu com quem desejas, se ela te faz mais feliz pois que assim seja.

mas não, tu me deixaste na plateia. me fizestes assistir. por isso hoje não sei o que sinto. se me perguntares, oh, é tudo um grande nada no meu peito.

não sobrara nada. tu me fizestes triste. mas forte sempre fui, sei do valor que tenho. e só por isso, oh, só por isso não pulei do precipício. sou firme na queda. a vida nunca me foi fácil, homem.

às vezes eu te amaldiçoo, isso não se faz a ninguém não. não se faz não. ir embora sem nadas a dizer. ir embora e largar tuas imundices de traições e mentiras. tu não olhaste pra trás, tu não olhaste em meus olhos.

tu dizias estar apaixonado por mim, eu boba acreditei. tu fois covarde, isso que tu fois. te dei o melhor, pior de mim. tu me destes momentos tão felizes e por isso mesmo bateria em quem disseste que estavas a me trair.

mas estavas, não é? todo o tempo, todo o tempo.

vou-me embora. por isso vou-me embora. e por favor, não me procures mais, nunca mais. que de mim não sobrara nada, não pra você. não pra você.

esses dias eu chorei no chuveiro. lembrei dos nossos banhos. te ensaboei tantas vezes, e te beijei em todas mesmo com gosto de sabão. éramos duas crianças felizes até os risos cessarem e você me levar pra cama. a gente se enxugava nos lençóis e adormecíamos debruçados um sobre o outro.

é sempre no chuveiro que eu me lembro dos nossos momentos felizes e não entendo certas coisas. é sempre no chuveiro que eu choro. e pelo ralo deixo ir cada dia um pouco mais de você. um pouco mais de nós.

Eu não sei se eu quero isso pra mim, entende? Eu sei, eu dormi por muito tempo, sonâmbula pelos espaços, sonhando acordada, me esforçando para manter os olhos fechados, eu sei, eu tô devagar. Eu queria ser mais que isso, eu queria ser melhor, eu queria ser minha própria versão idealizada, eu queria ser o que eu sou no quem dera. 

Quem dera se eu fosse outro corpo, outro rosto, outra mentalidade, mais maturidade. Quem dera se eu tivesse a força, a gana, a garra, quem dera se eu tivesse mais agilidade, que minhas costas não doessem, que minha visão não me falhasse. 

Isso não é pra mim, eu me afogo nos milhares de “e se…”. Meu pulmão se enche dessa água suja e tudo me arde, tudo me dói. Minha pele se arrepia em meio minhas piras de me imaginar em outra vida. Se eu fosse mais esforçada, sabe? Se eu fosse mais gente, mais viva…

Mais acordada. 

Eu dormi por muito tempo, mas ainda estou sonolenta, meus olhos semicerrados não aguentam essa luz toda, queria viver no escuro do meu quarto na caverna daqueles que já desistiram e deus me perdoe dizer, mas até disso eu sinto falta. 

O vazio faz falta, porque querer é perigoso. 

Eu morro de medo de palavras como esperança. 

Eu quero ser outra coisa, quero me derreter em um líquido abstrato e tomar nova forma, nascer de novo numa noite qualquer e ter outra cabeça, eu quero que meus neurônios se reorganizem até que eu tenha orgulho de mim. Até que outras pessoas tenham orgulho de mim, até que essa nhaca de fracasso saísse do meu corpo num banho quente. 

E se eu fosse gente? Eu vou me afundando nos “e se…” como quem afunda em areia movediça, como quem se debate só pra afundar mais. Como quem reza por outra carne, outros órgãos, outra vida. Isso não é pra mim, essa perfeição toda. E se fosse? E se eu alcançasse, e se eu chegasse lá? E se eu caminhasse para chegar lá? É preciso mover as pernas, é preciso se movimentar, e se eu fosse inspiradora, talentosa, e se eu causasse um sorriso só com um olhar? 

Quem dera eu pegasse nas mãos essas vontades que pairam por minha cabeça como nuvem carregada, que apenas ameaça chover e nada de água. Eu quero arrancar com as mãos, sentir na pele, tocar as ideias abstratas. Quem dera ser outra, quem dera ser melhor, quem dera um novo cérebro, uma personalidade mais potente. Quem dera sentir nos dedos, quem dera se entrasse na pele. 

Eu fico refém da linguagem, esperando que as palavras façam tudo por mim, as palavras engavetadas, que mofam nos armários, os livros inacabados e os poemas jamais cantados. Querendo que as palavras me guiem até esse paraíso por mim sonhado em noites insones. Esperando que as palavras me salvem de qualquer inferno particular que eu mesma construí. 

De tanto “quem dera” nada se deu. 

Nada cedeu

porque eu também não cedi. 

De tanta esperança engavetada, mofada, estragada no fundo da geladeira, eu apenas esperei virar outra. A minha versão ideal lá do mundo das ideias de Platão, eu queria arrancá-la de lá, fundir-me a ela. Ser outra. A escritora do mundo ideal, a mulher do mundo ideal, preenchida de vontade e orgulho do que é. Sequestrar essa eu do mundo ideal, colocar ela em meu lugar.

Eu me apeguei no “e se…” como um pedaço de madeira de um navio naufragado, como minha esperança de não me afundar, de não sumir, de não ser engolida pelas águas violentas que correm em minha própria cabeça. 

Na linguagem eu me aninhei, busquei abrigo, comida e água, busquei segurança. A linguagem, me ajudou até certo ponto, mas daqui em diante, meu bem…

“agora você se vira”

Eu assombrei os espaços, tropecei nas vontades, vomitei desejos que não caíram bem em meu estômago. Eu assombrei os espaços quando eu não me fiz ser enxergada. Me apeguei a cada palavra, quis que as frases tecessem uma corda até o mundo real, até o olimpo onde os vivos estão. 

Eu quis que minhas palavras falassem por mim, que alcançassem outras mãos, ouvidos e olhares, que me levasse até outros corpos, outras mentes. Depois eu entendi que eu deveria guiar as palavras, não o contrário. 

Sonâmbula pelos dias, eu as guiei pro lado errado. 

Querendo ser outra, caí num mar torpe de desejos não realizados, vontades afogadas. Querendo ser outra eu quis sair de minha pele, rasgar a carne no meio, e correr em espírito por aí, ser imaterial, evaporar no ar, se desintegrar em bilhões de partículas. Querendo ser outra eu boiei em mar aberto, sem nenhuma terra à vista. 

No desespero da sede, eu bebi a água salgada deste mar. No meu “quem dera” do tamanho do pacífico, confundi melhorar com me odiar. Mas isso não é pra mim, essa roupa desconfortável da autopiedade, esse tecido duro e áspero de pura inércia. Essas horas que correm por minha pele com suas garras afiadas, e eu só consigo boiar, inerte em ondas calmas, quarando no Sol a pino, sentindo a pele ressecar, queimar, esperando ser resgatada.

Quem dera eu fosse mais pró ativa. 

Quem dera eu abstrair essas coisas, quem dera a porra do pensamento positivo, quem dera eu olhar pro espelho e gostar do que vejo, quem dera minha mente colaborasse mais comigo. 

Meu bem, é tão mais fácil falar. 

E se eu fosse gente, e se eu fosse gente que faz e acontece. Eu vejo as pessoas apenas fazendo e eu quero isso, eu juro que eu quero, eu só não consigo. 

No fundo do mar jazem esperanças naufragadas, esqueletos de desejos não realizados. No fundo deste mar são esquecidas as milhões de possibilidades, perdidas para sempre minhas mil e uma vontades, entre ser alguma coisa e não ser absolutamente nada, acabo sendo todo dia, por mim mesma, afogada.

Olhando de fora, nada faz sentido mais
empunhando um olhar decidido no espelho,
penso em meus constantes pesadelos
que se esvaem quando abro meus olhos.
No despertar cheio de alívio, acompanhado da luz da manhã
eu me pego, serena, por um breve segundo
depois, tudo me pega de volta
as gigantes ondas se quebram sobre mim.
Nada mais faz sentido, mas minha lógica luta para se manter de pé
pessoas se ajoelham em suas rezas privadas
cada uma para o deus que lhe convir
cada uma carrega um olhar desconfiado
toda conversa tem morrido pela boca
toda conexão é quebrada antes mesmo de existir.
Nada mais faz sentido, mas a mente se esforça
em minha dificuldade de ser gente, sou cativeira de mim
em minha dificuldade de alcançar o outro, me silencio pelos dias
tudo faz falta, nada sacia.
Na beira da estrada, jaz um quê de esperança
atropelada novamente, por meus gestos estabanados
Nada mais faz sentido,
mas a lógica se pega acuada, a lógica queima no Sol a pino
minha pele se resseca, meus dedos tremem
cada um reza do jeito que dá, do jeito que pode
melhor se juntar as mãos, melhor se dobrar os joelhos
melhor ainda se tiver fé, melhor se se castigar.
Olhando de fora, eu até quero estar dentro
olhando de fora, um pouco de ignorância não cairia mal
eu fico acordada por noites, tentando parir qualquer coisa
de paz de espírito
meus olhos inquietos, passeiam pelo quarto
minhas mãos não se aguentam sozinhas
eu fico acordada por noites em um mal sucedido parto
fingindo que reconheço a mim mesma
eu esqueço como cheguei até aqui.
Olhando de fora, sentindo o sangue correr nas veias
sentindo minha mente correr para longe
correndo das responsabilidades, minhas pernas doem
parada no tempo, e as horas correm
meu eu derradeiro, se arrasta com os dias
eu ouso tomar tento, mas tudo me desce mal:
um enjoo crônico no estômago
desses pesadelos que tomam vida no meu quarto,
das rezas sem fé à deuses de bronze,
da fé que deveria ser em mim, pra variar,
dos sussurros inaudíveis de sonos perturbados
pesco, a mim mesma, em um mar inquieto;
caçadora de mim, coloco-me armadilhas.
Olhando de fora, eu caio em um paradoxo:
deus me livre, mas quem me dera eu me encontrar.

Eu estava na minha melhor fase, o que não queria dizer muita coisa quando se comparava com o resto, mas ainda sim, era alguma coisa. Bom, eu já conseguia me suportar, eu gostava de mim, na maior parte do tempo e se odiar já não estava em nenhum lugar dos sentimentos que eu tinha por mim mesma.

Fazer o mínimo por mim era uma grande coisa.

Eu que nunca me coloquei em qualquer lugar perto das prioridades. A gente faz o que pode e o que não pode, ignora e finge que nunca foi necessário. Eu estava na minha melhor fase quando deixei de precisar da opinião de terceiros apenas para ter um lampejo de amor por mim.

Amor próprio… tive que ir atrás do meu em algum lugar escondido nos infernos da minha mente. Algum purgatório escondido no terceiro plano em baixo da massa cinzenta, no lóbulo frontal, em um poço do sistema límbico, enterrado à sete palmos em um pântano esquecido por algum deus. Faz sentido dizer que eu o enterrei lá, na casa do caralho, na merda do meu cérebro. Eu entrei na minha melhor fase quando consegui sorrir pro espelho.

Parece tão pouco, quando se coloca assim, na palma da mão, quando se tenta racionalizar, quando se esquece do passado doloroso. Parece pouco mesmo, se afastar de tudo apenas para se aproximar de si. Bom, eu já olhei meu ossos como grades de uma prisão orgânica, e a mente como um carcereiro que não dorme nunca, eu me afastei de tudo apenas para olhar para mim por mais de alguns segundos sem sentir raiva.

Fazer o mínimo já é grande. O resto é o olhar dos outros que não importa, na realidade.

O olhar que dura alguns segundos e apenas enxerga a carne e esquece da fusão nuclear de sentimentos correndo por baixo da pele e explodindo em trilhões de partículas no cérebro, contaminando tudo. A imagem, no final da contas, importa. Viver sobre esses preceitos nos quebra, meu amor próprio foi atropelado, em uma rodovia, jogado no meio fio, quando eu não olhei para o que realmente importava.

Mas eu estou em minha melhor fase, meus ossos estão fortes. O que quer dizer muita coisa quando se compara com o resto, quando se olha para as lembranças, o passado serve de comparativo, mas eu não sou apenas meus machucados, nem meus traumas. Me sento na cama pela manhã, tomada por uma boa sensação, ainda que eu não sinta essa alegria o tempo todo, eu aproveito, toda vez que ela vem. Na minha melhor fase, eu cato os bons momentos como pedras preciosas jogadas na merda, dinheiro achado na sarjeta.

Em minha melhor fase, pensei em cuidar de mim, como um bebê que chega agora neste mundo, eu ainda não sei de tudo, minha visão é turva, meus sentidos aos poucos se aprimoram, eu seguro em minha própria mão para que eu não caia, em meus primeiros passos, meus futuros passos. Fazer o mínimo é gigante.

O corpo muda
o estômago não ronca e o apetite evapora
nas longas horas sem comer
o corpo emagrece
a barriga diminui, as coxas ficam finas
as maçãs do rosto se atenuam
o corpo muda
o cabelo cai e a unha quebra
as articulações doem
olheiras profundas, a pele oleosa
o olho vermelho das noites sem dormir
o corpo muda
as espinhas nascem
o vão entre as coxas, aumenta
a barriga diminui ainda mais
um, dois, três números a menos
uma mente doente, quem diria?
o corpo até parece daquelas modelos
o corpo sem estrias, sem celulite
sem vitaminas, sem vida
o corpo muda
o cabelo fica ralo
e as unhas na carne porque não conseguem crescer
as unhas na carne, e a pele oleosa
nem meio litro de água por dia
mais perto da morte que da vida
aparência é tudo.
cheio de elogios, o corpo ainda segue
usando 40, mesmo desenvolvendo anemia
isso nem é um caso de anorexia
um corpo doente, mas magro
e a depressão come solta
pelo menos alguém está comendo
aqui embaixo ninguém está vivendo
um corpo que passa os dias na cama
e a coluna começa a sentir um desconforto
o estômago não ronca
e a barriga agora está lisa
pelo menos alguém elogia
o corpo sem estrias
mais morta do que viva
a pele pede socorro
e os cabelos quebram na frente da escova
as frutas apodrecem na fruteira
a comida se empilha na geladeira
um pulmão que só recebe fumaça de cigarro
e o estômago que se abraça desolado
o coração chega a ter taquicardia
o corpo muda
e vai definhando pelos dias
sem coragem de ir na terapia
e a mente, no crânio, se atrofia
quem se importa com saúde mental
quando é o peso que se elogia?
o corpo muda
murcha com o passar das horas
a flor podre encolhida na cama
mais um número a menos
“como você tá linda”
“vão entre as coxas e cadê essa barriga?
“me conta seu segredo, amiga?”
as costas doem, as articulações pedem socorro
pelo menos alguém consegue pedir ajuda
agora o corpo na casa do 38
e a pele que mal lembra como é
sentir a luz do dia
vitamina D, serotonina
o corpo muda
agora, só existe
a pele pálida, e as olheiras profundas
três horas de sono
não vão te fazer maravilhas
o desleixo é quase palpável
quem consegue tomar um banho
quando apenas se quer morrer?
os dentes amarelados
e o cabelo oleoso, amarrado em um coque
por incontáveis dias
o corpo muda
agora só quer ajuda
a mente não aguenta mais
“segurem-se todos, nós vamos afundar”
e mais uma crise na semana
o cérebro já falha em fazer conexões químicas
a depressão dança ao lado da ansiedade
e o espelho no quarto reflete apenas a visão da morte
o estômago recebe comidas gordurosas:
massas, queijos, doces…
nada que vá saciar por muito tempo
a decepção dos órgãos é evidente
um corpo magro, mas a mente doente
o corpo muda,
as cicatrizes que o diga.

Eu não quero produzir apenas quando eu estou mal. Quando estou deprimida, para baixo, em crise, prestes a arrancar os cabelos, a cortar a pele apenas para sentir algo.

Como se talento, criação e sofrimento fossem a mesma coisa.

Talvez a arte seja uma forma de se fazer ouvido, de traduzir as inquietações e o cérebro que se contorce, para o papel. Verdade é que Van Gogh não era talentoso porque cortou a porra da orelha fora e depressão e transtornos mentais não ajudam tanto na arte como se diz por aí.

Honestamente, quando menos produzi foi quando estive pior. É difícil criar uma obra de arte estando na cama, talvez Frida Kahlo tenha conseguido, mas honestamente, eu não estou nesse nível ainda.

As pessoas não sabem do que falam. As pessoas romantizam cada coisa…

Eu não quero acreditar que escrevo bem apenas quando quero morrer, e a arte seja um balde onde vomito tudo aquilo que não me faz bem, a privada do banheiro da balada onde você coloca pra fora todo o exagero do resto da noite, sem pensar, sem refletir, sem criar por querer fazer algo que valha a pena.

Bom, eu já passei dessa fase. Não quero arrancar os cabelos, ou morrer, ou sequer ficar na cama. Não quero perpetuar a ideia de um comichão no espírito pelo bem maior.  Não existe bem maior na doença. A arte está do lado oposto.

A verdade é que Van Gogh criou coisas incríveis apesar de seus demônios, não por causa deles, não vamos dar tanto crédito assim para a dor. Quando estive internada, meu psiquiatra me falou para canalizar essa dor em algo criativo, algo produtivo, e isso me ajudou, é verdade, mas não é esse motivo pelo qual eu estou aqui ainda.

Esse não é o motivo pelo qual escrevo.

As ideias não brotam da terra infértil que é a depressão, as ideias lá, costumam morrer, antes mesmo de suas raízes se espalharem por debaixo da terra. Criar tem algo como derramar parte de nós em algo tangível, palpável, imortalizado no texto, na pintura, na música. Transferir-se para algo material, até que o outro possa olhar e então não é mais nosso, e há uma beleza nisso.

Acredito nessa beleza, acredito nesse processo, lento, que cozinha na mente até pingar no papel. Todo o resto é besteira.

Todo o resto é a orelha de Van Gogh que foi cortada como um sacrifício para algum demônio da arte. E aqui, eu reviro os olhos, aqui eu saio do recinto. Eu não quero me sacrificar mais, eu já tentei e só ganhei uma internação e acompanhamento psiquiátrico.

A arte é mais que isso. Eu quero ser mais que isso, ainda que meus textos e histórias não sejam felizes, ainda que minha mente crie as piores histórias, ela está em paz e é por isso, que as histórias transfiguraram-se em palavras num texto.

você não encontra um culpado, sabe?
é só… como as coisas se tornam. elas são complexas. são vários fatores embolados, que rolam pela história e desengata nessa merda toda.
existem os culpados de sempre, mas no fim:
eles são tão abstratos, não é? quem são eles?
quem são os vilões? e nós sequer somos mocinhos?
não.
mas eu posso te dizer isso, talvez sejamos vítimas.
e não há nenhum conforto nisso apenas a certeza dolorosa do que se esvai por entre nossos dedos.
nós somos corpos com hemorragia interna, descoberta tarde demais
a gente não sente até não conseguir sequer respirar.
daí você quer avisar as pessoas que elas estão sangrando por dentro
mas elas irão ignorar até que a primeira vertigem lhes acometa
e você vai poder culpá-las? ora, toda hemorragia interna é um conceito abstrato…
até não ser mais.
algo se perde na linguagem, na comunicação, não há união, mas desesperos individualizados.
a verdade é que eu cansei de encontrar o culpado. eu só quero cauterizar a porra da ferida.
alguma coisa precisa mudar, talvez seja mais micro do que qualquer coisa.
talvez a dor seja bem aqui dentro, talvez a inércia contribua um pouco…
é só que… porra, estamos tão cansados.
estou falando de um pequeno abcesso no fundo da garganta, do dente inflamado
a infecção não tratada que só cresce e se espalha
estou falando de negligência
porra, eu estou falando de gente morrendo!
estou falando de um sistema todo se quebrando: de uma falência múltipla dos órgãos.
estou falando desse abcesso enorme na boca do estômago, dessa carne podre.
estou falando de radicalismo.
e a gente já passou do momento de ter medo dessa palavra.
da insurgência, da desobediência… eu não quero ter medo de um caos organizado.
estou falando de arrancar pela raiz, cortar o membro gangrenado.
é isso ou o sangue continua a jorrar.
essa merda toda não é de hoje, é só que agora a infecção desceu da garganta, pela laringe, chegou no estômago, pulmões e fígado. aí, meu bem, aí já era.
a verdade é que estamos na porra da uti e algum carniceiro filho da puta quer desligar os aparelhos, vender nossos órgãos, furar a fila do transplante.
a metáfora ainda persiste, mas não se engane, gente morrer transborda dela.
a metáfora é só um jeito melhor de dizer que estamos fodidos,
um jeito mais bonito, mais palatável.
é só para gente não esquecer que tumores também crescem em silêncio.
bom, parece que o cirurgião chefe desse hospital esqueceu um bisturi em nosso estômago.
agora é tentar não morrer.
agora é lutar por justiça.
justiça…
justiça é um conceito abstrato demais pra gente entender. e só uma forma de dizer que tínhamos que ter o que é nosso por direito. que é nossa obrigação ter!
que é nossa obrigação viver bem.
que essa chaga não deveria continuar crescendo.
que nossas vidas estão em risco, e tem gente por um fio.
talvez aqui as metáforas acabem. um poema não pode seguir por muito tempo.
nem tudo é poesia, isso aqui é só desgraça mesmo.
cortes na aposentadoria não é poesia;
gente preta e favelada morrendo não é poesia;
universidades fechadas não é poesia;
desistir de lutar contra o trabalho escravo não é poesia;
feminicídio não é poesia;
a sangria não para. é interno, mas mata.

um corpo fechado, encostado na parede
eu brinco com meus cabelos
todas as vezes que não sei o que dizer
retraída na cadeira do bar
mergulhada em mais um copo de cerveja
na voragem do momento
eu desvio meus olhos castanhos
um corpo fechado espantando possibilidades
uma velha cantiga de menina ecoa
no cérebro:
quem eu sou agora?
e o que você consegue ver?
na tez eu enterro vontades
embaixo das cicatrizes das rejeições passadas
um corpo fechado, rígido na cadeira
para não dizer o que quer, mais um gole na cerveja
para gritar e queimar em cada segundo do presente
a chama acesa em meu peito
junto do cigarro, se evapora a espontaneidade
olhos castanhos e a perna cruzada
timidez definitivamente não é a palavra
um corpo fechado não parece querer nada
na voragem da insegurança
meus dedos batem na borda do copo
minha boca sorri engolindo palavras
e a distância cada vez aumenta
um corpo fechado, os pés cansados
os braços não se estendem
para quem está do outro lado.
disfarça costume com mais um trago
e queima a cachaça, boca adentro
as horas correm me deixando para trás
quando vou dizer o que eu quero
já passou o momento.

Em noites como essa, a mente nunca é confiável. O calor na janela e um baita peso nas costas. A razão vai dançar no telhado do prédio, flertando com o abismo, rindo diante a possível queda.

Brincando entre saudades e o se-eu-tivesse-dito-isso, se-eu-tivesse-feito-aquilo entalados na garganta feito pedaços de comida que descem no lugar errado, mas não engasga e nem mata. A garganta arranha nas possibilidades largadas no caminho.

A confiança senta-se no parapeito da janela, sem medo de estar no quinto andar. Dançando ao som de Isaac Hayes e mexendo a cintura, animada. Disfarçando o medo com inconsequência, sentindo a noite adentrar os poros.

Estou nua em meu quarto, fumando mais um cigarro tentando não me afogar em mais uma dessas noites, a solidão de um sábado, enquanto a mente dança com o diabo.

Insegura de meus adjetivos, eu apenas consigo listar meus defeitos. Confesso que sinto saudades de afetos óbvios demais.

O óbvio me falta.

A consciência se acovarda e se esconde embaixo da cama, enquanto no final da garrafa de vinho, eu esboço um sorriso que de forma alguma é fruto do meu mérito. A razão urra no telhado, de olhos fechados, enquanto se equilibra bem na borda: apenas para sentir alguma coisa.

O que a gente não faz para se sentir vivo? A gente é capaz de morrer por isso.

Noites como essa e os gatos arruaceiros estão revirando as latas de lixo e mãos estão sendo dadas em algum lugar dessa cidade, um orgasmo explode e beijos se desenrolam, enquanto línguas se abraçam.

A solidão come solta. A solidão me devora viva. Mas a confiança finge costume: agora, sem ninguém aqui, tudo fica mais fácil. É fácil ter coragem, quando ela não é necessária. Esses nós na garganta me fazem tossir enquanto a pele quase pinica por um toque quente e um olhar que possa arrebatar certos devaneios inúteis, expurgar certos demônios.

A confiança se abraça, com frio. Do quinto andar, qualquer queda parece um vôo raso. Uma mente transtornada jamais pode vencer a gravidade, mas a razão se perde tentando rodopiar no telhado, querendo tocar o céu, atingir algum paraíso particular. Estender os braços para cima e, pela ilusão de ótica, alcançar as estrelas.

Certas vezes o mundo não precisa fazer nada, sozinho a gente consegue se machucar. E a consciência, amuada, se retrai embaixo da cama, pedindo uma trégua nesta festa rumo a insanidade.

Ah, mas tudo que eu não disse e deixei de fazer, aquilo que me escapou… Eu me perdi nas entrelinhas. O óbvio me falta, mas a masturbação reflexiva que não leva a nada jamais me escapa, eu questiono tudo que eu sou apenas para ser mártir de porra nenhuma.

A mente trabalha e trabalha, minha mente se revira feito um saco na água quente. Meu corpo é gelado, os abraços estão em falta. Tudo vai quarando na madrugada, mergulhando em mim, quase morro afogada.

Ano passado,
tive medo desse país virar uma ditadura
verdade seja dita, confesso que eu estive errada.
olhei para o passado com medo de se repetir
olhei para o passado, mas ele estava aqui
os métodos são outros, silêncio é uma forma de tortura
não existe doi-codi, não mais levam os jovens
as verdades foram deslegitimadas
ditadura hoje é institucionalizada,
no vazio das palavras, é respaldada
e a bala perdida se encontra,
a polícia, estrategicamente, sempre se engana.
a terra é plana, o nazismo é de esquerda
lutar é terrorismo, mas dê para esse cidadão uma arma!
posicionamento é doutrina
e lá vai mais uma professora presa
por citar a esquerda numa sala de aula
as milícias tomaram o poder
e a verdade, apenas por ser, foi executada.

Passei esses dias na cama, e você já sabe o motivo;
fumei uns dois maços por dia, e
bebi um vinho velho que estava na geladeira
comi mal, não bebi água
vi vídeos inúteis no youtube e ignorei ligações
no vácuo de mim mesma,
no vazio gigantesco de meu universo,
retornei à gênese dos planetas
sendo compostos pelo pó das estrelas.
Não há luz emanando de mim,
apenas um resquício da radiação
de uma explosão cósmica, vinda direto
do universo.

Deitada na cama,
perdendo toda noção de gravidade em mim
deixando os pensamentos flutuarem para longe:
eu sou pó das estrelas, e existe um buraco negro, em mim.
Sugando toda luz ao seu redor, a leve luz que viaja pelo espaço
e denso, destrói tudo que encontra, sendo visível justamente por não ser,
sendo incrivelmente belo a distância
a incrível trágica beleza, de tudo que simboliza um fim.

Me desfiz em poesia.

Me refaço em antimatéria.
Me refaço em explosões atômicas
em cada esquina.

Não nasci para rimar.

Nessa hora, o cérebro muda sua química
e abaixa a taxa de serotonina,
vitamina D e endorfina.
Brutalmente, o cérebro se contorce
feito um bicho vivo na panela fervente.
e minha pele é uma roupa apertada
que eu me vejo obrigada a usar,
desconfortável demais para me mover,
justa demais para respirar.

De uma explosão cósmica,
eu sou pó das estrelas.
Me refaço agora, apenas para desfazer no final,
explodir dentro de mim mesma,
uma pequena prova viva da teoria do Caos:
um sistema dinâmico e complexo
instável na evolução temporal.

Tudo se desfaz…

Minhas inseguranças se entalam na garganta,
enquanto grito, tentando recuperar de volta minha autoestima
essa coisa de amar-se por completo é tão difícil
e agora qualquer suspiro é bem vindo.
Quero recuperar o fôlego,
o hoje é só mais uma volta que a Terra deu sem si mesma
quero fechar os olhos, descansar as retinas.
Um último suspiro antes da colisão final
na matéria mais densa, localizada em meu centro
nenhum som se propaga no vácuo,
de encontro ao meu buraco negro,
eu flutuo em meu espaço.

Lembro que sempre tive uma baixa estima de mim mesma. Veio desde pequena, esse sentimento de não-o-suficiente. Minha memória mais viva disso é ter chorado no banheiro da escola, na sexta série. A sala de aula toda gritou em uníssono meu apelido e eu não aguentei. Me vi quebrando em milhares de pedacinhos e os arrastei até o banheiro, onde eu chorei e me perguntei, pela primeira vez, se eu não era bonita o suficiente. Eu certamente não era igual as outras garotas, bonitinhas, em seus corpos magros, cabelo liso e boa personalidade. Eu era quieta, não sabia me portar, não sabia fazer amigos, não sabia dizer a coisa certa. Eu e minha cara séria, meu jeito aéreo, desajeitado.

Não melhorou muito nos anos seguintes quando eu notara que todas as garotas já tinham beijado, menos eu. Lembro de querer, mas ter medo de rirem da minha cara, de algum menino rir da minha cara por considerar um beijo dele. Lembro que um deles riu, lembro que eu chorei olhando no espelho do quarto. Eu era adolescente, e adolescente geralmente sente essas coisas, esse desalinhamento com o resto do mundo, mas eu já era precoce nesse negócio de sentir e eu sentia que não havia lugar para mim, nem entre aquelas que nem lugar tinham.

Enquanto a de outras garotas queimavam, minha confiança era um vela frágil, resistindo a um terrível vendaval. Ela fraquejava, solitária, em algum canto de minha mente, falhando em esquentar o quarto, meu cérebro.

Na faculdade, pude notar que minha personalidade ficou mais forte, não muito, mas eu já não me sentia tão fraca, não me questionava sobre meu valor diante do espelho. Jurei que iria experimentar de tudo, viver de tudo, eu me achei bonita e lembro de ter pensado que eu poderia tocar, pela primeira vez, esse mar que tanto conseguiu mergulhar, enquanto eu não saía da praia.

Minha confiança, queimou um pouco mais forte, clareou o quarto, esquentou meu corpo, meu cérebro. Eu gostei de mim, até ter adoecido.

E então, o quarto ficou no mais completo breu.

Enquanto meu corpo emagrecia pela falta de apetite e eu recebia esses elogios de como eu estava mais magra e bonita, eu me sentia podre por dentro. A vela que flamejava em meu quarto não mais queimava, sua fumaça serpenteava o ar, procurando uma saída. O cheiro de parafina irradiava até meu olfato e eu me senti triste.

Já no crepúsculo da juventude, quase sendo mulher, eu voltei a me comparar com os outros, seus corpos e desenvoltura. A confiança que funcionava quase como um imã, para que todos os olhassem, me faltava. Eu tinha dificuldades nos bastidores, olhando as personagens principais tomarem conta dos holofotes. Meu corpo deixou de ser o problema, talvez o problema fosse todo o resto e a palavra beleza era um conceito que eu não mais conhecia, e eu confundi desejo com amor, admiração. Mas o desejo se dissipa, evapora, queima, e os velhos vazios só fazem aumentar. Mesmo quando melhorei e o corpo mudou. Entendi os elogios como uma forma de quebrar o silêncio e os carinhos como forma de matar o tédio e eu juro ter tentado gostar de mim como eu queria que os outros gostassem.

Minha vela solitária tornou a se acender, mas tímida, corria sempre o risco de apagar. Meu vendaval  era mais forte que seu calor e as janelas estavam completamente abertas. Minha confiança era tão frágil quanto meu ego, sempre faminto. Minha beleza tão derradeira quanto uma noite qualquer e minha pele carregava essas inseguranças que quase saiam dos poros e, gotejavam, deixando um rastro onde quer que eu fosse.

A única coisa que sempre me senti orgulho de fazer foi escrever, estava cansada de lutar contra meu rosto e corpo, eu queria ser lida, minha voz seria o suficiente, o resto era consequência. Por isso o desejo se tornou tão banal para mim, se eu era bonita, não importava tanto, eu apenas queria ser lida, e eu conseguia queimar toda vez que escrevia, minhas histórias são minhas cinzas, que flamejaram pelas madrugadas, em uma vela solitária que conseguiu resistir a mim mesma.

Aqui estamos nós dois
deitamos em uma cama desconfortável
feita de pregos e fantasmas do passado
os erros se arrastam pelo chão gelado
como correntes que se sentem presas
em corpos cheios de pecados.
Deitados de frente para o outro
nos enxergamos pela primeira vez
e nos conhecemos depois de tantos anos
como se antes, eu apenas soubesse teu nome
a cor dos teus olhos e sobre você,
apenas alguns fatos.
A visão é triste, eu confesso
você é um espelho dos anos deixados para trás
quando o amor era o analgésico de um sintoma
de uma doença mais grave
que eu nunca poderia confessar.
(Tudo tem que ser pelas razões certas, até amar.)
Estou quase envergonhada pela melhora que tive
pelas crises que ficaram para trás
enquanto você me diz que está parado em 2017
usando a mesma camiseta velha da culpa
e uma postura que não te serve mais.
Eu estive errada, é verdade
enxerguei suas rachaduras como quem encontra
alguém familiar em uma multidão
e tentei lhe curar, usando como um remédio
minha própria vitalidade.
Pensei em te ligar no mês passado
vi algo na TV e me lembrei de você
e de uma piada nossa que hoje não tem mais graça
lembro de ter ficado preocupada
e na realidade, não posso fazer nada
se meus amores do passado ainda ficam costurados
em algum lugar do cérebro como panos remendados
Pensei em saber como você tava, ainda que eu já soubesse
a resposta. E então haveria um silêncio na linha
porque eu não saberia mais o que dizer
porque aqui estamos nós dois
e enxergando a verdade, ninguém gosta do que vê:
você se lembra que está empacado
e eu me lembro dos erros do passado
e me pergunto se eu já fui algo além de uma distração
de suas próprias desgraças para você.
A tristeza ronda a cama, desconfortável
como uma cobra azulada, da cor dos seus olhos
opacos.
Essa amizade já estava fadada ao fracasso
quando eu senti o primeira sinal de pena, rondando a garganta
e você quase sente raiva, por eu não ter ficado.
(E os olhos se encaram, raivosos
e as retinas inutilmente, batalham.)
Deitados em uma cama feita de arrependimentos
eu lembro que quis curar o incurável
mas os céus seguem caminhando bem acima de nós
e eu finjo não estar desconfortável
quando acendo mais um cigarro
cujo o gosto é demasiado amargo.
Você me conta que agora está internado
que gosta de estar rodeado de pessoas piores que você
eu digo que estou estudando e escrevendo finalmente
aquele livro que nunca começava a ser escrito
você atesta o óbvio “estamos em fases diferentes”
eu não quero soar decepcionada
afinal você não me deve mais nada,
mas eu não consigo evitar de estar totalmente mudada
enquanto você permanece dormente.  
Aqui estamos nós dois
deitamos em uma cama desconfortável
feita de pregos e fantasmas do passado
os erros se arrastam pelo chão gelado
como correntes que se sentem presas
em corpos cheios de pecados.
Mas eu já não me visto com as velhas roupas
e a culpa não me serve mais
e meus olhos passeiam por meu corpo
e eu quase te digo que eu ando em paz
você deveria fazer o mesmo
(Certas coisas ficam só com a gente).
Agora me levanto cansada
o amor agora tem outro significado
algo de leveza e olhares gentis
meu bem,
em certas camas nos deitamos sozinhos
seguimos agora em caminhos distintos
e se servir de algum consolo agora
escrito em algum lugar distante da memória
seu nome aqui jaz.

Chego tarde da noite em casa, as luzes do meu prédio já estão quase todas apagadas, indicando que a maioria já foi dormir. Do portão do condomínio, consigo ver minha janela, com as luzes igualmente apagadas.

Ao fim do estacionamento, que está localizado no meio de dois prédios, existe um parquinho que está aí desde que me mudei para cá. Ele já é bem antigo, e as crianças não brincam nele mais. Suas cores amarelo e vermelha estão opacas e em vários cantos pode-se ver o ferrugem tomando conta. Um dos balanços está quebrado e pequeno escorregador segue por um fio. Eu me dirijo até ele, quando sinto que não quero entrar em casa. Quando sinto que não quero sentir o cheiro do meu espaço, e os móveis dispostos de certa forma. A casa vazia, as paredes sujas. Meu cheiro no meu quarto e a minha cama, que me espera para deitar.

Sento-me em um dos balaços que pode quebrar a qualquer momento, ainda mais com o peso de uma mulher adulta, mas dou de ombros. Às vezes eu tenho pavor de ficar sozinha, pavor de olhar minha casa e sentir que há espaço suficiente para pensar. Tenho pavor de dormir, por isso preciso de auxilio de um remédio. Fechar os olhos, com a cabeça deitada no travesseiro, faz com que lembranças inundem meu cérebro. De olhos fechados tudo parece mais intenso. As lamentações, o peso dos dias, minhas saudades. Eu continuo olhando para o espaço vazio ao meu lado. Eu não funciono bem sozinha. A solidão sempre grita alto demais para mim, não importa o quanto eu tape os ouvidos. Sentada no balanço, eu acendo um cigarro enquanto eu olho para a lua tão cheia e amarela, por entre as árvores. Eu penso que eu não quero subir as escadas. Sentada ali, me sinto confortável balançando, levemente, para frente e para trás.

Eu sou cheia de medos e inseguranças que quase se sobressaem na pele. Nesses momentos, sem ninguém a minha volta, eu assumo que sou frágil. Uma vez me disseram que eu não pareço insegura. Talvez pela forma que converso, talvez pela forma que me porto. Talvez seja as últimas fotos postadas nas rede sociais. Tudo para fingir bem. Me esconder bem. Tudo para não estar sozinha, sentada no velho parquinho do prédio.

Meu cigarro queima rápido demais e não demora a eu jogar a bituca no lixo. A vontade é acender outro. Eu estou fumando demais. Vivo sobre a ajuda de coisas externas. Antidepressivos, controladores de humor, indutores de sono. Cigarro para acordar, depois do café. Cigarro para pensar. Um calmante se eu tiver um crise, cigarros também para aguentar crises. Sexo se estiver me sentindo sozinha. Talvez uma balada. Eu não me basto. Café para acordar e curar a ressaca. Álcool para me divertir, talvez outras drogas, dependendo do tamanho do estrago. Tudo para tentar possuir por mais tempo uma felicidade que nunca foi minha por direito. Terceirizando os serviços que eu deveria fazer por mim mesma.

Tudo que vai contra ao que aprendi na terapia.

Me balanço um pouco mais forte, e o rangido das correntes começa a ecoar por todo o estacionamento. Agora, consigo sentir o vento contra meu rosto e meus cabelos esvoaçarem contra o impacto. Eu queria estar confortável dentro de mim, mas me sinto apertada dentro dessa pele que parece mais uma roupa justa demais. Não é questão de chorar mais, é uma questão de um entorpecimento a longo prazo. Agora estou indo mais rápido, eu quase me sinto tranquila. Quase não penso em mais nada. Quase… Agarrando essa frágil paz pelas mãos.

Naquele sábado eu havia ido para uma balada sozinha pela primeira vez. Verdade seja dita, eu só não queria voltar pra casa, pegar o metrô e olhar pela mesma paisagem e notar aquele sentimento de vazio, feito vespas caminhando em meu estômago, com suas patinhas leves e seus ferrões afiados. Fui sozinha, a vontade era só dançar, ouvir alguma música e dançar até que o corpo todo estivesse suado e eu pudesse de alguma forma me exorcizar na pista de dança.

Já cheguei e comprei uma cerveja, só para não ficar de mãos vazias, já que eu não tinha com quem conversar, se bem que é fácil puxar conversa fiada. Só é cansativo se forçar a isso. Querer parecer que você está fazendo alguma coisa: conversando, beijando, fumando, bebendo. Beber e fumar só trazem malefícios a longo prazo. Dá pra lidar com isso, eu consigo aguentar as consequências. Forçar-se a socializar por outro lado…

Fui para a pista de dança e já tocava uma artista indie de Pernambuco que eu adoro, misturando um eletrônico com uma espécie de sofrência que eu juro, faz todo o sentido ouvir assim, na solidão. Solidão pura, quando você é o único ser em um local que não está com ninguém. Dancei! Dancei por duas horas seguidas misturando cerveja e gin tônica. Saindo, por vezes para o fumódromo e trocando algumas palavras com algumas pessoas, nada interessante. Era algo como piadas sobre o público jovem ou alguém me perguntar meu signo embora eu já esteja na idade de que signo não me importa, mas eu respondo: peixes, ascendente em gêmeos, lua em áries e meu vênus é maravilhoso!!! Áries também. Ai cara eu odeio pessoas de câncer, blá blá blá. Me dou muuuito bem com pessoas de leão, etc.

A cerveja rapidamente ficou quente, e o gelo da gin tônica derretou no copo e tornou o drink aguado. Logo fiquei entediada, em algumas duas horas descobri que não sou uma dessas pessoas que vão em balada sozinhas. Talvez eu não seja uma dessas pessoas que conseguem ir com calma em uma coisa de cada vez, ou esperar a coisa ficar melhor daqui trinta, sessenta, oitenta minutos. Talvez eu apenas não consiga esperar a música ruim do set passar e o próximo DJ ser anunciado. Eu me entedio rápido, eu fico de saco cheio rápido, eu só perdi a paciência.

Talvez, só talvez, essas coisas meio triviais ou têm que ser boas ou não fazem sentido. Eu perco a vontade, o tesão. Falando em tesão… no meio da madrugada resolvi mandar mensagem para um desses caras na lista do whatsapp, gente que eu sei que faria o mesmo comigo, que talvez eu não tenha sentido essa conexão profunda, que talvez me salvassem dali, ou me oferecesse algo melhor pelas próximas horas.

Joguei um verde, disse que a balada estava ruim, mas cara, é caro ir daqui até minha casa de uber, acho que vou ficar aqui nessa tortura pelas próximas horas. O cara pergunta quanto daria um uber e eu digo: é caro. Faço um drama, mas me mantenho engraçada, reclamo um pouco do lugar, mas elogio o som. É só que aqui só tem criança. Ele não demora a oferecer para pagar um uber da balada até sua casa: você pode dormir aqui, se quiser… Mas eu não finjo dúvidas, eu já aceito.  

Não é cansativo, essa insatisfação crônica? Esse vespeiro em algum canto do cérebro que te faz querer pular na próxima cama, usar a primeira droga, se recusar a largar a festa? Eu que o diga…

Chego no prédio e subo o elevador. No caminho, andares acima, tento retocar o batom no espelho e arrumo meus cabelos e me pergunto se estou bonita. Sabe, eu tenho pensado nisso esses dias, na beleza e eu não ando muito feliz comigo, mas eu juro tentar deixar isso em casa, pra ninguém conseguir farejar por aí.

Ele me espera na porta do elevador, sorrindo. Camiseta velha e samba canção. Me dá um abraço apertado, elogia meu cheiro e abre a porta de sua casa para eu entrar.

Sentamos no sofá, enquanto ele me oferece uma cerveja e eu retiro os sapatos que agora me incomodam. Eu o encaro alguns segundos, há um sorriso no canto de seus lábios, talvez esteja com o ego lá em cima: olha só a surpresa dessa madrugada de sexta-feira! Talvez esteja feliz em me ver. Seu sorriso convencido me irrita um pouco, mas eu juro deixar isso pra lá. Não quero analisar demais isso aqui e logo começamos a conversar sobre francamente qualquer coisa, a conversa não é muito profunda e eu me peguei prestando mais atenção na música meio brega que ele colocou pra tocar no spotify. Eu não quero soar escrota, é só… Estou tentando praticar essa coisa nova, de não colocar importância em tudo.

O enxame no meu cérebro começa a zunir novamente. Sinto picadas em meu crânio e algo me diz que o velho tédio está voltando, voltando a formigar no corpo e me fazer duvidar se isso era uma boa ideia, talvez não. Provavelmente eu não voltarei me sentindo muito feliz amanhã.

Mas agora ele diz que está com sono, quer ir pra cama. Eu aceito, e não acharia ruim se apenas dormissemos, talvez fosse até melhor. Talvez fosse mais sábio, mais maduro, menos covarde. Só deitar e dormir, sem transar apenas para matar alguma coisa que segue se movimentando pelo meu corpo. Quando nos deitamos ele me beija pela primeira vez, e sua boca tem gosto de pasta de dente, a minha, provavelmente, de cerveja. Ele rapidamente tira a camiseta que eu havia acabado de colocar. E nada é dito, enquanto ele beija meu corpo e é só aí que eu esqueço que minha mente se comporta como uma colméia em caos.

Enquanto minhas pernas estão entrelaçadas em sua cintura e ele coloca a camisinha, olhando para meu rosto, iluminado pela luz que irradia da janela, eu respiro fundo e fecho os olhos. Seu pau é a droga que faz minha mente sair de sintonia, onde uma tela preta se instala entre eu e meus pensamentos, minhas agonias e angústias e essa vontade visceral de apenas ter algo real nas mãos. Eu quase esqueço quem sou entre os gemidos e as mãos que passeiam entre curvas cabelos, barba, boca. Talvez minha psicóloga tenha razão, eu uso o sexo como válvula de escape. O sexo é intenso e rápido, gozar ou transcender não estava nas expectativas de qualquer forma. Mas minha pele está vermelha e minha mente se acalma.

A putaria logo me faz dormir, mais tranquila. Eu chego a não ter nem pesadelos.

Acordo no outro dia antes dele. Faz um baita Sol lá fora e ele ronca baixinho, apoiando a cabeça em uma das mãos. Me levanto, tomo uma água, me visto e o acordo: dia cheio, preciso ir pra casa. Ele me leva, sonolento até a porta, nos despedimos com um selinho e eu caminho até o metrô. Não sentindo nada, essa falta do sentir quase machuca, quase perfura, mas não chega a tanto. Não sangra, não dói. Só incomoda, é quase um câimbra dos sentidos. Não há música triste de fundo, não há dores para sanar. Só uma ressaca, uma sede, uma fome que não são apenas literais.

Oi saudade, pode entrar.

Fique a vontade,

A casa é sua e a hóspede também. 

Evillin Ribeiro.

Eu não sou tóxica. .

Você me diz isso.

Bom, eu deveria acreditar em você.

Mas em ti despertei os piores sentimentos, me perdoa por isso?

Lembro do seu questionamento perguntando o motivo pelo qual fiz isso.

E eu não sei, poxa.

O vazio dói a alma, por favor volta a preencher meu peito.

Evillin Ribeiro.

Pois é amor, eu saí da caverna e descobri a minha própria luz.

A ti, serei eternamente grata por ressignificar a minha existência.

Evillin Ribeiro.

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